FMI e o novo governo

É possível que o futuro presidente da República, a ser eleito daqui a poucos dias, engula sem digerir, ou simplesmente não engula, o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Nem absorva sua lição de casa, que indica caminhos para o prosseguimento do ajuste fiscal, gerando superávits suficientes para o pagamento dos juros da dívida externa e manutenção do crédito. Existem razões de ordem ideológica, entre os postulantes à coroa de FHC, para esta indigestão. E existe uma cultura desenvolvida ao longo de muitos anos de oposição, quando o FMI foi satanizado e passou a representar, junto a larga parte da opinião pública, um inimigo irreconciliável do que seria a soberania nacional, num enfoque estrito de nacionalismo.

Quando o ministro Pedro Malan, da Fazenda, falou em alterar superávit para 3,8% do PIB, considerando que os 3,75% programados não serão suficientes para garantir a rolagem da dívida, o descontentamento foi geral. Lula, Ciro, Garotinho e até Serra puseram em dúvida a viabilidade desse compromisso e chegaram a declarar que sua existência não foi revelada no encontro que tiveram com o presidente. Ocorre que, para geração desse superávit, é preciso apertar ainda mais o cinto, reduzindo em muitos bilhões as despesas públicas. Se a ordem era não gastar mais do que se arrecada, agora é gastar muito menos do que se recolhe da população. Isso só pode ser feito com aumento da arrecadação e ainda substanciais cortes em despesas, atingindo aí programas sonhados pelos presidenciáveis e objeto de suas promessas de campanha. Esses cortes também perturbam o sonho dos parlamentares, pois suas verbas paroquiais que, consignadas no orçamento, servem de propaganda eleitoral, podem ir para o espaço.

A ironia de tudo isso é que o FMI ensina que é preciso gastar menos. Exatamente o que sempre disseram os oposicionistas conterrâneos. Só que, vinda de um organismo internacional carimbado de inimigo da soberania nacional, soa como atrevida intromissão. O FMI recomenda ainda que o novo governo negocie com o Congresso Nacional que vai sair das urnas de outubro uma fórmula de substituir a arrecadação da CPMF. O chamado imposto do cheque foi mantido em 3,8%, mas no final do ano que vem cai para 0,8%. Por mais injusta que seja essa contribuição dita provisória, mas que quase que se eterniza, a verdade é que ela significa para o governo uma arrecadação de R$ 28 bilhões. Baixando para 0,8%, cairá para R$ 5 bilhões. Esse dinheiro é provisão para, no desenvolvimento do acordo com o FMI, que continua no novo governo, manter-se o necessário superávit primário de 3,75% do PIB. Só pode ser dispensado se for, de alguma forma, substituído através de mais economia, nova tributação e produção suficiente de recursos via comércio exterior e outros caminhos de desenvolvimento econômico.

Dir-se-á que o novo governo poderá não prosseguir com o acordo com o FMI, não sacando os recursos que estarão à sua disposição, aliás, a maior parte dos US$ 30 bilhões contratados. Poderá fazê-lo e isso está até previsto no acordo que foi assinado pelo governo FHC. Assim, não terá de manter a meta de superávit assumida, nem seguir qualquer outra recomendação dos técnicos do Fundo que signifiquem mera orientação ou mesmo imposição para que o acordo prossiga em vigor. Só restará um problema e, tudo indica, nenhuma solução: onde arrumar o dinheiro para não virarmos uma nova Argentina?

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