Fluminense fracassa em campo e no mercado financeiro

Caminha para um final melancólico uma das primeiras iniciativas de tentar unir o mercado financeiro com uma das maiores paixões do brasileiro, o futebol. Criada em 1996, a Torcedor S.A., empresa de investimentos ligada ao Fluminense Football Club, que pretendia captar recursos de investidores que comprariam direitos creditórios – com os cotistas sendo remunerados por meio da negociação do passe dos jogadores -, nunca decolou e já adotou medidas para sua extinção: o registro como companhia aberta na Comissão de Valores Mobiliários foi cancelado em fevereiro. Dois fatores primordiais vitimaram a empresa: o fim da figura do passe dos atletas determinado pela Lei Pelé e as péssimas campanhas do Fluminense no período inicial da Torcedor S.A.

Quando surgiu, a Torcedor S.A., administrada pelo Fundo Fluminense-Oceânica FMIA-CL, tinha objetivos nada modestos. O estatuto social da companhia informava que o capital social original era de R$ 3,259 milhões, correspondendo a 1,086 milhão de ações ordinárias e 2,173 milhões de ações preferenciais. Mas a previsão de aumento do capital social era de emitir até 200 milhões de ações ON e de 400 milhões de PN. Não foram informados quais atletas tinham seus passes relacionados entre os ativos da empresa.

Em seu primeiro balanço, publicado em 1999, a Torcedor S.A. informava que, àquela época, o mercado de aquisição de direitos creditórios sobre passes de atletas crescera substancialmente nos dois anos anteriores, com a formação de parcerias entre grandes clubes e empresas de capital nacional e estrangeiro. "Com a criação dos clubes-empresa, este mercado deverá ficar ainda mais competitivo, quando a companhia reavaliará a viabilidade de reaquecer seus negócios", dizia o relatório da administração.

Esta última frase fazia referência ao momento nada positivo do Fluminense dentro dos campos de futebol. O clube caíra para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 1996 e só não disputara o torneio hoje chamado de Série B porque manobras políticas permitiram sua permanência na divisão de elite.

Mesmo assim, o Fluminense caiu novamente em 1997 e, pior, foi rebaixado da segunda para a terceira divisão em 1998. Em 2000, a Torcedor S.A. já informava aos investidores que havia realizado ajustes, em conjunto com o Fluminense, "visando o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e o incremento da expectativa de rentabilidade futura sobre os direitos creditórios sobre os passes dos atletas".

O comunicado informava ainda que a empresa observava "os movimentos de mercado, bem como a performance do Fluminense nas competições" para determinar o momento certo de "comercialização dos ativos vinculados a passes de atletas".

Em 2001, o recado aos investidores nas demonstrações financeiras ainda trazia previsões otimistas. "Está nascendo um mercado que movimenta centenas de milhões de reais anualmente, tanto pela comercialização de atletas quanto pela comercialização de direitos de imagem sobre os clubes".

Em 2003, no entanto, a empresa começou a jogar a toalha, informando que, em função da extinção do passe dos atletas, em decorrência de modificações determinas pela Lei 9615 de 24 de março de 1998, alterada pela Lei 9981 de 14 de junho de 2000, "a companhia passou a não ter mais direito de participação nas negociações de passes de atletas".

Segundo a empresa, os direitos creditórios ficaram sujeitos a ressarcimento por parte do Fluminense, "em condições a serem pactuadas entre as partes". Na época, o presidente do conselho de administração da Torcedor S.A. era Claudio Vidal Cunha, que foi substituído por David Fisher, então presidente do clube.

Como não teve receitas em todo o período, a Torcedor S.A. quase só registrou prejuízos contábeis em sua existência, com exceção de 2002, quando a reversão de uma provisão para perdas feita um ano antes fez a empresa apresentar um resultado positivo de R$ 426,4 mil.

Em 2006, as perdas foram de R$ 152,5 mil e a empresa informou ter interrompido quaisquer atividades "enquanto reavalia seu objeto social". Pelo balanço patrimonial, a empresa tem a receber do Fluminense R$ 3,265 milhões em direitos creditórios e tem a pagar ao clube R$ 152.230.

Os primeiros passos para sua extinção foram dados no ano passado. A empresa pediu à CVM um processo diferenciado para fechar seu capital, com a dispensa de etapas que representariam mais custos, como publicar um edital de oferta de recompra de ações, realizar um leilão, elaborar laudo de avaliação e contratar uma instituição financeira intermediária. O colegiado da CVM concordou com os pedidos no final do ano passado, porque a companhia "nunca utilizou o mercado de capitais para realizar oferta pública de distribuição de ações, bem como possui registro de negociação apenas em mercado de balcão não-organizado".

A Torcedor S.A. precisou apenas enviar uma carta aos seus três únicos acionistas minoritários, não identificados, ofertando um valor de R$ 1,88 por ação, correspondendo a duas vezes o valor patrimonial da ação contabilizado no balanço patrimonial de 31 de dezembro de 2005. Atendidas todas as exigências, o capital da empresa foi fechado em fevereiro de 2007.

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