Fim do gradualismo

O governo Lula, para surpresa até dos que votaram nele, sempre manteve uma política econômico-financeira rígida, em busca de um superávit primário cada vez mais alto. E uma política gradualista no controle dos juros básicos, condicionando o Selic – Sistema Especial de Liquidação e Custódia, que virou taxa básica de juros, ao comportamento da inflação, que se temia subisse sem controle. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, e o Banco Central, que dita os juros básicos, foram mantidos livres para agir, apesar da grita do empresariado, dos trabalhadores e de grande parte dos políticos, inclusive muitos dos que apóiam Lula.

A reunião de ontem do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central deveria, como apostava o mercado, reduzir a taxa básica de juros em percentual elevado. Esperava-se que em 1,5 ponto, baixando de 24,5% para 23%. Surpresa: o Copom cortou nada menos de 2,5 pontos, baixando a taxa básica para 22%. Ainda muito alta, mas um claro indício de uma nova política e já em medida que pode influenciar o mercado. Os bancos começarão a preferir emprestar dinheiro às empresas, ao mercado, ao invés de comprar títulos do próprio governo, como vinham fazendo. Agora há participação de objetivos realmente políticos nas decisões econômico-financeiras do governo Lula, com abandono do gradualismo rígido, do tecnicismo.

O governo vinha agindo como quem pensa que um computador pode trabalhar sozinho, dispensando a participação do homem. Valiam as regras e não as opiniões, embora estas se traduzissem em desesperanças que ajudavam a empurrar a economia ladeira abaixo, deixando no caminho uma multidão de desempregados. Se é verdade que não se conduz a economia de um país com “slogans” políticos, também é verdade que, sem claros objetivos políticos, o tecnicismo econômico-financeiro pode obter resultados em números, mas não em bem-estar para a sociedade.

Para justificar a surpreendente queda dos juros básicos ditada pelo Copom, o Banco Central lembra que a inflação acumulada no ano, até julho, está em 6,85%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Para todo o ano, esperam um IPCA de 9,74%, mais alto do que foi ajustado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Com o Fundo, o acertado foi de 8,5%.

Mesmo que esse argumento tenha sido levado em conta para a queda da Selic, o mercado entende que influiu muito o desaquecimento da economia. E este parece ser o motivo essencial da surpreendente e corajosa decisão do Banco Central.

Ninguém ignora que o governo, em especial o ministro Antônio Palocci, estava perdendo a confiança do mercado. Chegou-se a falar num processo de “fritura” do ministro, logo desmentido pelo presidente Lula. Este aprendeu, uma vez no poder, a respeitar as regras técnicas que devem presidir as decisões econômicas, mas não abandonou seu conceito de que os objetivos políticos não podem ser perdidos de vista. Não faz sentido um governo de esquerda, dos trabalhadores, agarrado a tecnicismos e ignorando a recessão econômica e o aumento assustador do número de desempregados.

A sabedoria está no meio e o melhor para o Brasil é uma política gradualista de queda dos juros, com parâmetros técnicos e temperos políticos. O objetivo de obtenção de bons superávits primários, para suportar o endividamento governamental, principalmente o externo, deve ser mantido, mas já sem sacrifícios capazes de transformar o Brasil em um país vocacionado para a estagnação econômica.

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