A reelegibilidade dos ocupantes de cargos executivos – presidente da República, governador e prefeito – pode estar no começo do fim. Experiência adotada no Brasil como um progresso, gerando a esperança de que um mesmo governante passaria a ter tempo, se reeleito, de terminar as obras maiores e mais demoradas para conclusão, o sistema fracassou. E, a bem da verdade e de cara lavada, confessemos que fracassou porque muitos de nossos políticos, dentre eles alguns dos mais proeminentes, adotam uma moral frouxa e não resistem à tentação de usar da máquina governamental para reeleger-se. Alguns procedimentos nesse sentido até parecem normais para esses políticos, que se esquecem de que tudo o que o governo faz ou deixa de fazer é do interesse do povo e pode influir diretamente em sua decisão na hora do voto. É difícil para o próprio eleitor distinguir o que é campanha legítima e o que é o uso do poder já conquistado nas urnas como instrumento de campanha para continuar no poder.
Essa nossa falha moral política não se reconhece apenas numa radiografia dos meios políticos. O próprio povo já não mais é capaz de distinguir o certo do errado. Aliás, atribui-se a Lula ter dito que já não sabia quando estava agindo como candidato e quando estava agindo como presidente, já que era candidato à reeleição. Se ele não sabia, quanto mais o eleitor que, ao longo de tantos anos, vem engolindo sapos da política até a eles acostumar-se, não mais sendo capaz de distinguir o correto do incorreto, o permitido do não permitido.
Este é um País presidencialista e, como tal, tem gerado muitas vezes governantes paternalistas que instilam no povo a idéia de que são senhores do bem e do mal. Nunca o povo brasileiro conseguiu perceber claramente que governo é o Poder Executivo com o Legislativo e o Judiciário. Não são raras as vezes em que ao presidente se atribui um feito ou defeito que é coisa do Legislativo ou mesmo do Judiciário. O presidente paternal, que pode ser condescendente ou mau, sempre leva os aplausos ou a culpa, mesmo que a responsabilidade pelo fato aplaudido ou desaprovado seja de um prefeito de um pequeno município dos cafundós-de-judas.
Essa cultura (ou falta de cultura) desaconselha a reelegibilidade, especialmente em relação ao presidente da República, pois neste pleito já ficou provado que, mesmo com pudores, o candidato reeleito acabou usando a máquina governamental para ficar no cargo. E usou também o prestígio do cargo, haja vista o financiamento de sua campanha, que está dando um nó na Justiça Eleitoral para desvencilhá-lo e decidir se aprova ou não as contas de campanha. Doações para um candidato que já é chefe do Poder Executivo é, para empresas interessadas em negociar com o governo ou dele obter concessões, um expediente tentador.
Felizmente parece que a reelegibilidade vai acabar. O Senado já aprecia, em início de tramitação, PEC – Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do senador Sibá Machado (PT-AC), acabando com ela. Para presidente da República, esta última reeleição seria a derradeira. Os prefeitos que disputarem as eleições de 2008 ainda poderão concorrer à reeleição e os governadores eleitos neste ano poderiam buscar a reeleição em 2010. Depois, acaba a reeleição e os mandatos passam a ser de cinco anos. Quatro, sem dúvida um tempo demasiado curto para governar com eficiência. Infelizmente, suficiente para governar mal. Tudo indica que a reeleição vai mesmo acabar, pois a proposta tem adeptos tanto no governo quanto na oposição.