São Paulo (AE) – Que o Brasil bate um bolão em campo todo mundo sabe. Afinal, estão aí os dez brazucas finalistas à Bola de Ouro para não deixar ninguém duvidar. Mas que as virtudes do futebol brasileiro tenham sido bem utilizadas pelo cinema, bem, isso aí já é matéria para debate.

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Felizmente, os diretores têm se interessado mais pelo futebol, como provam dois novos filmes lançados na Mostra BR de Cinema: "O Dia em que o Brasil Esteve Aqui" e "Ginga". Dois belos documentários sobre o esporte preferido por dez entre dez patrícios.

"O Dia em que o Brasil Esteve Aqui", de Caíto Ortiz e João Dornelas, fala de uma data muito especial na história da seleção brasileira: 18 de agosto de 2004, quando o time de Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos & Cia viajou para o Haiti para o chamado "jogo da paz". Missão humanitária, num país louco pelo futebol e devastado pela pobreza e guerras civis. O que um jogo pode resolver? Na prática, pouca coisa. Mas, no plano simbólico, significava trazer um pouco de alegria para aquelas pessoas, o que talvez não tenha muito sentido num mundo cínico, mas também não precisamos pautar as nossas vidas pela opinião dos cínicos, não é mesmo?

E, para quem ainda se deixa levar pela emoção, parecem empolgantes as cenas registradas com a chegada da seleção a Porto Príncipe. Zagallo e Parreira falaram isso, mas no fundo nem precisavam porque as imagens dizem com mais força: parecia que a seleção estava chegando ao Brasil depois de conquistar o hexacampeonato, tamanha era a festa. Os jogadores desfilavam em carros blindados das Nações Unidas e tinham seus nomes gritados pela multidão. Um deles, em especial, Ronaldo, o mais conhecido, talvez o mais carismático do grupo. Ao ver esse filme, é inevitável pensar no poder de mobilização desse esporte.

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As cenas da seleção nos braços do povo haitiano poderiam se passar em qualquer periferia pobre de São Paulo ou do Rio. Infelizmente, às vezes a seleção brasileira parece mais próxima do Haiti do que do seu próprio país.

"Ginga", de Marcelo Machado, Tocha Alves e Hank Levine, nos ajuda a compreender possíveis motivos da identificação dos haitianos com os boleiros patrícios: é que o futebol brasileiro tem profunda base popular. Dessa origem, tira sua arte e sua força. O filme trabalha com imagens de alguns profissionais consagrados como Robinho e Falcão, do futsal. Claro que é fascinante ver os dois brincarem juntos numa quadra de futebol de salão ? campo que Falcão tentou deixar para fazer carreira no São Paulo e onde Robinho cozinhou as jogadas mágicas que depois seriam aplicadas nos gramados.

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Mas o filme não fica nas celebridades. Pelo contrário, abre mais espaço para os boleiros anônimos, gente habilidosa que ainda espera por uma chance nos campinhos batidos do Brasil. Um deles, o primeiro personagem apresentado, se chama Wallace da Silva. Se você perguntar por esse nome na Rocinha ninguém vai saber quem é. Agora, se procurar por Romarinho, vai encontrar o rapaz franzino e de olhar vivo, driblador nato, que havia participado de 22 peneiras no Flamengo e sido reprovado em todas. Mas, para sua sorte (e nossa), justo no dia em que as câmeras o acompanhavam, foi finalmente aprovado e passou a treinar na Gávea.

Paulo César é um ex-favelado de São Paulo que fez teste na Portuguesa e foi recusado. Sérgio é um branquinho de classe média, que arrebenta nas quadras de society. Celso é amazonense e joga no Peladão, o maior torneio de várzea do mundo. E o mais comovente é Wecsley, garoto bom de bola de Niterói que perdeu a perna num acidente. Hoje, ele é um dos destaques do time de paratletas de sua cidade. Faz, com uma perna só, o que muita gente por aí não faz com duas. "Ginga" é um jeito nosso de ser e jogar. Define um estilo de país, para quem não se envergonha dele.