Ao assistir ao debate sobre a publicização das listas das fichas sujas dos candidatos nas eleições, conclui pela limitação do debate. Aprendi com Douglas North, prêmio Nobel de Economia de 1993, que os países que mais se desenvolveram na história foram os que construíram os melhores sistemas jurídicos. E discutir apenas a questão de um mecanismo do sistema jurídico eleitoral como o uso da analise da ficha suja, sabendo dos caminhos protelatórios do sistema processual e de controle patrimonial brasileiro, sabemos que isto apenas não basta. Pois não adianta olharmos a questão apenas na ótica pessoal do candidato com ficha suja, se o resto do sistema continua permitindo a sua existência.
Assim sendo, não adianta verificar se a ficha está suja, se o processo de eleição dos membros das Câmaras Municipais e as Prefeituras continuam sob financiamento e controle paralelo dos grupos econômicos privados. Não adianta verificar se a ficha está suja, se o sistema de concessão de transporte coletivo continua sem licitação pública e o conselho de transporte coletivo continua sem o controle da sociedade e a participação dos sindicatos de trabalhadores, para verificar preço e qualidade.
A exemplo das concessões públicas dos meios de comunicação que não oferecem contrapartida em favor da nação e da liberdade. Não adianta olhar se a ficha está suja, se o plano diretor da cidade está sendo conduzido para valorizar a propriedade da terra de posse de grandes empreiteiras e imobiliárias. Não adianta verificar se o candidato tem ficha suja, se o sistema de licitação das empresas de coleta de lixo, das empresas que fazem obra e vendem produtos e serviços para as prefeituras continuam viciados e dirigidos. Não adianta verificar se a ficha está suja, se a aplicação dos recursos das aposentadorias dos servidores municipais está sendo dirigido aos bancos privados sem taxa de retorno para os contribuintes do sistema. Não adianta olhar se a ficha está suja, se empresas particulares continuam sendo contratados para fazer concursos frios para aprovarem parentes. Não adianta olhar se a ficha está suja, se as vigilâncias sanitárias, ambientais e do trabalho continuam sendo orientadas para serem omissas para favorecer maus empresários.
Assim, discutir apenas o tema ficha suja, sem discutir o sistema jurídico que permite o financiamento e o controle de grupos privados sobre o processo de eleição dos membros das Câmaras Municipais e Prefeituras é muitíssimo limitado. É hora sim de ampliarmos este debate.
Sabemos da evolução do processo democrático da gestão pública. A melhoria do sistema de controle com o fortalecimento do MPE, o aperfeiçoamento do TCE, a criação de Ouvidorias, a adoção da prática de orçamento participativo, a criação dos conselhos municipais de saúde, educação, meio ambiente, industrial, trabalho entre outros, mesmo que ainda, com sistemas de eleição dirigidos.
Sabemos que quando as vigilâncias sanitárias, ambientais e do trabalho municipal não funciona, temos congêneres estadual e federal que suprem a omissão. Mas sabemos que se não aprofundarmos o debate destes outros temas para ter melhores sistemas de controle democrático, continuaremos a evoluir de forma lenta e gradual. Por isso, além de debater a questão da pessoa do candidato ter ou não ficha suja, é preciso debater a implantação do financiamento público das campanhas eleitorais e mecanismos jurídicos de controle de gestão, como por exemplo, a regulamentação das formas de democracia direta através da consulta popular, como o referendo e o plebiscito.
Para isso precisamos lutar pela aprovação do projeto de lei n.º 4.718/2004, proposto pela OAB, com apoio da CNBB e do MST, em favor da ampliação da democracia direta e participativa, tirando das mãos do poder legislativo e executivo a exclusividade das decisões, para libertarmos as cidades do controle dos grupos econômicos privados e colocá-las a serviço de toda a sociedade.
Geraldo Serathiuk é advogado especializado em Direito Tributário pelo IBEJ/Pr.
