Fiador de Lula

Quando petistas gritavam nas ruas “fora FHC”, seria inimaginável que as relações do governante que ora deixa a Presidência da República com o que assumirá em janeiro se transformariam em uma verdadeira carta de fiança. Garantia de Fernando Henrique ao governo de Lula, principalmente no plano econômico, para o mercado internacional. O atual presidente, antes das eleições de outubro, voltou às suas origens de líder da esquerda democrática, não apoiando Lula no primeiro turno, mas anunciando que poderia nele votar no segundo, caso seu candidato, José Serra, não emplacasse.

Essa boa vontade do atual governo se expressa na transição do poder, que facilita ao máximo para Lula e sua equipe. Também na decisão de encerrar o ano fiscal antecipadamente, proibindo novos compromissos que possam criar embaraços para os primeiros meses do novo governo. Guido Mantega, um dos principais assessores econômicos do PT e especialista ouvido e respeitado por Lula, já havia declarado, em fins de outubro, que contava com Fernando Henrique Cardoso como um fiador do governo petista. E que isso indicava que as mudanças na política econômica a serem promovidas por Lula não levarão a rupturas. Para Mantega, não quer dizer que o PT endossará tudo o que FHC e sua equipe decidirem antes do fim do seu mandato, em destaque o cogitado aumento da meta de superávit primário para pagamento da dívida externa. Ao inverso, também não significa que FHC aplaudirá tudo o que Lula cogite ou decida. Aliás, isso já ficou patente em declarações feitas pelo atual presidente, na Inglaterra, quando mais uma vez era homenageado por uma universidade estrangeira de respeito, o que confirma seu prestígio no exterior. O atual presidente, comentando o programa de combate à fome de Lula, dele discordou considerando-o assistencialista, o que seria um passo atrás e contra a forma concebida de cupons para os assistidos, o que considera um instrumento inadequado. Aliás, o senador petista Eduardo Suplicy tem a mesma opinião. Para FHC, Lula deveria incrementar os programas contra a fome já existentes, que considera desenvolvimentistas e não assistencialistas.

Na mesma oportunidade, FHC disse que não há fome no Brasil. Fome no sentido africano, com milhares de pessoas morrendo por falta de alimentos. Concordou que o que há em nosso País é subnutrição. Assim, traçou uma linha divisória entre fome e subnutrição. Definição que pode convencer os técnicos. O povo, e principalmente quem sente a barriga roncar, nunca.

Ao fazer tais declarações no exterior, FHC desejava evitar a projeção de uma imagem constrangedora do Brasil, numa oportunidade em que tanto precisamos recuperar a confiança do mundo. Mas é evidente que essa discordância pública com Lula, sobre o primeiro e principal programa de impacto do governo PT, é um recado. Como fiador dos compromissos na área econômica e até aberto à aprovação de outras metas de Lula, recomendando uma oposição construtiva ao PSDB, Fernando Henrique Cardoso não silenciará, nem seus correligionários e apoiadores, quando julgar que é preciso criticar.

Para o Brasil, isso é bom, pois se não mais persiste o medo de Lula – aquele provocado pela suspeita de que assumiria trocando os pés pelas mãos -, surge o temor de que a força de ímã do poder atraia para seu governo tantos apoios que falte quem, com experiência, lhe ofereça a indispensável oposição crítica.

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