Precedido de 14 anos superavitários, desde os mandatos dos presidentes Figueiredo, Sarney, Collor e Itamar, em 6 anos de governo FHC, de 1995 a 2000, tivemos déficit nas transações comerciais com o exterior, agravando sobremaneira nossa posição de contas correntes em dólar.
O equilíbrio em 2001 e o superávit de US$ 13 bilhões em nossa balança comercial em 2002 não resultaram de políticas traçadas pelo poder central e sim da elevação da cotação da moeda norte-americana, por causa de movimentos especulativos, a pretexto da eleição presidencial. Essa inquestionável vitória da nossa balança comercial serviu, porém, para revelar quão desastrada foi a persistência da valorização artificial do real até janeiro de 1999. Se o câmbio flutuante tivesse sido instituído a partir de meados de 1995, estaríamos bafejados por venturoso porvir.
O ex-diretor do FMI, Michael Mussa, disse à imprensa em 19.12.2002: “Sou muito crítico em relação aos cinco primeiros anos do governo FHC e do ministro Pedro Malan. Foi um exercício máximo de irresponsabilidade fiscal e de desperdício. Desperdiçaram cacife político e boa vontade da economia mundial”.
Praticando as mais elevadas taxas de juros do mundo, os oito anos de FHC fizeram com que o Brasil tivesse crescimento médio pouco superior a 2% sobre o PIB (1,39% em 2002), enquanto a China comunista há 15 anos registra taxa média anual de 9%. Nesse período (1995 a 2002), o Brasil sofreu fantástico processo de transferência de renda dos setores produtivos para o sistema financeiro de bancos nacionais e estrangeiros.
Com o desenvolvimento econômico freado e os juros escorchantes obedecendo aos ditames do FMI, o desemprego atingiu níveis insuportáveis, alastrando a miséria e o sofrimento a milhões de brasileiros.
O grosso do funcionalismo público federal, civil e militar, teve os salários praticamente congelados, sem reposição sequer do aumento do custo de vida e isso se estendeu aos servidores estaduais e municipais, com repercussão na qualidade dos serviços prestados. Não obstante, nesses dois quatriênios inexplicavelmente os dispêndios com o funcionalismo do governo federal dobraram de R$ 40 bilhões para R$ 80 bilhões.
Verificou-se no período a explosão da criminalidade e o governo federal omitiu-se em iniciativas e não soube coordenar os governadores dos estados para a adoção de programas repressivos e de prevenção contra a violência urbana, que assumiu aspectos de guerra civil em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.
Houve, ainda, imperdoável descaso na vital área dos transportes e as estradas federais nunca estiveram tão esburacadas, denunciando claramente que 60% da malha está comprometida, compelindo o Ministério dos Transportes a concentrar recursos na recuperação das rodovias, em detrimento da construção de obras novas.
Fernando Henrique Cardoso conseguiu aprovar sua reeleição no Congresso, todavia não fez as reformas tributária e da previdência. Há méritos, contudo, que lhe devem ser creditados como o de altear o prestígio do Brasil no cenário internacional pela sua cultura de sociólogo e de político poliglota. Internamente, praticou e respeitou a democracia e comandou civilizada transição para Luiz Inácio Lula da Silva. Realizou avanços nas áreas de educação e saúde e sua melhor herança foi a consolidação da disciplina antiinflacionária, abrangendo o controle das despesas governamentais, a Lei de Responsabilidade Fiscal e uma saudável política monetária.
Deve ter sido penoso para FHC terminar seu mandato com a inflação em ascensão e o país virtualmente quebrado e submisso às exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI). Se os números dos gastos forem conferidos e divulgados, constatar-se-á que o governo FHC despendeu mais que todos os governos anteriores em promoção e publicidade, o que lhe valeu apoio unânime para os leilões de privatização e suas práticas ostensivas de neoliberalismo. Veja-se o caso da perniciosa venda da Cia. Vale do Rio Doce por míseros R$ 3,388 bilhões, quando a “mídia” se fechou completamente aos opositores e prevaleceu a torrencial veiculação do Palácio do Planalto.
O último mês da administração FHC notabilizou-se pela massiva presença presidencial em noticiários, entrevistas, reportagens e cadernos especiais, transbordantes de elogios e até de endeusamento, que poderá confundir e influenciar os historiadores.
De qualquer forma, na distância do tempo, a história colherá dados e análises para sereno julgamento do presidente da República que propôs e inaugurou o processo eleitoral da reeleição.
Léo de Almeida Neves é ex-diretor da CREAI do Banco do Brasil, ex-deputado federal pelo Paraná e autor de Vivência de Fatos Históricos (Ed. Paz e Terra, SP, 2002, 534 páginas).