Tema de intermináveis discussões, os feriados católicos são um dentre os tantos casos que denotam a não-extinta ligação Igreja-Estado. Formalmente findada em 1889, a união da monarquia com o catolicismo foi rompida sob grande influência do exército positivista. A hóstia, entretanto, continua sendo um dos pratos principais dos governantes, de modo que até no calendário encontramos migalhas – bem grandes por sinal – desta relação ainda dominante.
De origem lexicológica latina, a palavra “feriado” deriva-se de “feria”, uma festa em honra a um santo católico. Há contradições na existência destes feriados monorreligiosos num País que se diz laico, sem vínculo oficial com qualquer religião e composto por crenças tão diferentes. Por incrível que pareça, a denúncia é feita pela própria raiz da palavra.
“Isso é um contra-senso”, afirma o pastor José Carlos Ramos, diretor de Pós-Graduação do Salt (Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia). “O Brasil é um País que prega a liberdade de culto. No entanto, possui feriados católicos que nada têm a ver com outras mentalidades religiosas. O dia de Nossa Senhora, por exemplo, de muito significado para a Igreja Católica, nada representa para a grande massa evangélica; entretanto, é um feriado nacional”, argumenta ele.
Partindo de um exemplo extremo, seria incompreensível obrigar por lei um batista a ficar de braços cruzados em específicas datas religiosas judaicas. Seguir o calendário do Yom Kippur pode ser muito especial para um judeu, mas para um evangélico esta data não apresenta nenhuma importância. Daí percebe-se a contrastante situação entre católicos e os demais credos. Como um Estado desvencilhado da Igreja pode aceitar no calendário feriados católicos sob a desculpa de tradição ou de serem estes a maioria religiosa do País?
Na França, o problema dos feriados monorreligiosos foi sanado por ocasião da Revolução Francesa, época de transição do feudalismo para capitalismo. Depois de tomar o poder, os representantes do terceiro Estado – a massa do país – proclamaram a Assembléia Nacional Constituinte, que em 1791 concluiu a elaboração da nova Constituição francesa. Esta garantia a liberdade de crença religiosa, instituía a separação entre Igreja e Estado, e tornava obrigatória a nacionalização dos bens clericais. Salienta-se, contudo, que uma das primeiras ações da Revolução Francesa foi a criação de um novo calendário nacional, no qual substituíam-se dias de santos da ex-igreja oficial por ícones da revolução.
Em nosso País esta mudança está longe da realidade, embora muitos ainda lutem por um calendário sem ligações eclesiásticas. Há os que defendem a substituição dos feriados católicos por datas de cunho patriótico ou ecumênico. Surgem ainda as soluções excêntricas, como por exemplo, a de Marcos Antônio de Barros, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Também conhecido como Marcos de Jesus, o pastor propõe que Jesus Cristo seja o novo padroeiro do Brasil, ocupando o lugar de Nossa Senhora Aparecida. Essa mudança, segundo Marcos, substituiria o foco do feriado.
Algumas igrejas têm-se mostrado até agressivas quanto à questão dos feriados católicos. As igrejas Universal e Brasil para Cristo são claros exemplos. As imagens da madrugada de 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil, quando o bispo Sérgio von Helde literalmente chutou a santa, quase que símbolo do catolicismo, representam a insatisfação da população multicultural e polirreligiosa brasileira.
Algumas vítimas do ócio provavelmente concordem com estes feriados, mesmo não praticando o catolicismo. Todavia, é importante salientar que a questão não é o feriado em si, mas a tendenciosidade que o permeia. Hóstia e governo juntos nunca fizeram boa digestão.
Daniel Liidtke é aluno do 1.º ano de Jornalismo do Unasp.