Felipe, um brasileiro

Felipe Lourenço dos Santos. Guarde este nome na memória, antes que a mídia o esqueça. Dez anos de idade, origem e vida humildes, Felipe foi uma das nove crianças pobres que morreram soterradas no Morro das Pedras, zona sul de Belo Horizonte, depois de 15 horas de sofrimento e tristeza. Um guerreiro que resistiu corajosamente à dor causada pelo esmagamento de parte do seu corpo para mostrar aos bombeiros responsáveis pelo resgate que queria continuar vivendo. O destino, porém, guardava outros planos para o menino.

Histórias semelhantes à de Felipe provocam comoção popular não só devido ao sofrimento causado pela tragédia imposta aos seus personagens, mas também porque quase sempre escondem profundos dramas pessoais. E o drama de meninos como esse é, quase sempre, a pobreza. Dói saber que somos impotentes diante das desgraças do destino.

Dói mais ainda, contudo, quando nos damos conta de que grande parte das vítimas de tragédias como essa teriam poucas razões para continuar existindo, e, no entanto, fazem-no com tamanha tenacidade que chegam a nos comover. Neste sentido, o drama de Felipe tem caráter altamente pedagógico. É um exemplo a ser seguido por todos os céticos que já não acreditam na possibilidade de construirmos uma nação socialmente mais justa e solidária.

Este menino é, entretanto, um exemplo sobretudo para a nossa classe política, que em grande parte dos casos passa seus dias exercendo a mesquinha tarefa de obter vantagens pessoais, ainda que à custa de cidadãos como esse garoto pobre que comoveu o País com sua vontade de viver. Brasileiros como Felipe dão sentido à Política. Afinal, por gente como essa vale a pena lutar. E o sentido da vida dessas pessoas deveria bastar para tornar a Política mais digna, mais democrática, mais eficiente, mais humana.

Não é o que acontece. Nossos políticos ainda precisam promover mudanças profundas em sua maneira de exercer o cargo para que a esperança (palavra que usamos à exaustão nos últimos meses) seja convertida em ações concretas destinadas a garantir um mínimo de dignidade aos milhões de cidadãos humildes do Brasil.

O fato de termos eleito um presidente da República com origem humilde ajuda, mas está longe de ser suficiente para alterar as práticas arcaicas que muitas vezes pautam o exercício da Política. Porque se Luiz Inácio da Silva atingiu o patamar máximo a que um brasileiro pode chegar, outros tantos milhões de cidadãos humildes jamais chegarão tão longe. Quantos “Silvas” precisarão sacrificar suas vidas até que a classe política reconheça essa verdade?

Numa obra já clássica, A Política como vocação, Max Weber trata do sentido da Política. E nos ensina que a vaidade é amiga traiçoeira dos políticos porque os distancia do ethos exigido para essa atividade. Para que seja exercida em sua plenitude, portanto, a Política exige muito mais que vocação. Exige que os políticos tenham, acima de qualquer coisa, desprendimento em relação aos apelos do poder e sensibilidade em relação à maioria excluída da sociedade.

É preciso, enfim, que tenham humildade para perceber que possuem uma missão a executar – e esta missão consiste, basicamente, em fazer do seu ofício um instrumento para dar algum sentido a brasileiros como Felipe, aquele menino pobre que morreu soterrado em Minas acreditando que ainda valia a pena viver. O resto é bobagem, pura bobagem.

Auréio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado (politica@parana-online.com.br) e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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