Numa quadra marcada por profundo aviltamento dos padrões éticos e morais que, obrigatoriamente, deveriam constituir o apanágio dos que tomaram a decisão de ingressar na vida pública para trabalhar em benefício da cidadania, a triste realidade observada em políticos de diferentes partidos não faculta ao eleitor um balanço favorável.
A Polícia Federal, além de combater o contrabando, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro, entre outros crimes que perfazem sua agenda de atribuições legais, tem tido enorme carga de trabalho num setor – a administração pública – no qual o imaginário popular jamais gostaria de testemunhar os delitos da corrupção, peculato, formação de quadrilha e outras façanhas. Infelizmente a realidade é bastante diferente. A PF prendeu esta semana 46 pessoas envolvidas no desvio de R$ 110 milhões do Orçamento, entre as quais os ex-deputados federais Ronivon Santiago (PP-AC) e Carlos Rodrigues (PL-RJ).
Trata-se da reedição da tragicomédia representada pelos anões do Orçamento, idealizada pelo deputado João Alves, especialista no desvio de verbas públicas, acolitado na ocasião por um grupo de deputados cujo traço comum era a pequena estatura. Ao justificar perante a Casa o súbito enriquecimento, Alves confessou ser homem abençoado por Deus e ganhar na loteria com uma freqüência espantosa.
O ex-deputado Carlos Rodrigues, que também se proclamava um servo de Deus, é o mesmo que antes de renunciar, nominado nas denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson como hipotético ?pai? do mensalão, fazia questão de ostentar o título de ?bispo? a ele conferido pela Igreja Universal do Reino de Deus, da qual acabou expulso em face da conduta incompatível com os exigentes padrões da religião evangélica. Ao comparecer ao Conselho de Ética da Câmara, Rodrigues desmanchou-se em lágrimas ao apresentar candente defesa da honra e juras de retidão inquebrantável na carreira pública. Pois a PF apurou que Rodrigues é importante elo duma extensa rede de políticos, empresários, servidores, assessores e ex-assessores de gabinetes parlamentares, que desde 2001 desviou por meio de fraudes recursos orçamentários com origem em emendas apresentadas por congressistas, sobretudo quando direcionadas à feitura de obras ou investimentos em seus redutos eleitorais.
A safadeza se concretizava na compra de ambulâncias para as prefeituras, com custo superfaturado para o rateio da diferença a maior, mediante licitações viciadas sempre ganhas por uma empresa sediada em Mato Grosso. O pacote oferecido incluía até a garantia de que os parlamentares apresentariam as emendas para garantir as verbas. O passo seguinte era obter no Ministério da Saúde a aprovação dos projetos de aquisição das ambulâncias. Assim, a fraude chegou ao montante estimado de R$ 110 milhões. A Procuradoria Geral da República examina agora uma lista de 80 parlamentares que nos últimos anos apresentaram emendas para viabilizar a compra de ambulâncias e, se alguma irregularidade for comprovada, o procurador-geral Antônio Fernando Souza pretende denunciar os infratores ao Supremo Tribunal Federal (STF). A faxina será geral. E que assim seja!
