“Geramos um monstrengo conservador, atrasado, autoritário e arrogante, que vive do poder e para o poder e se alimenta do espetáculo mediático a que se reduziu.” A sentença sobre o que sobrou do velho PT de guerra nesses dias de turbulência é do ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, persona non grata ao partido. Ele filosofa no bojo do “Waldogate”, que, pelo visto, conhece desde a nascença, o que nos leva a acreditar que o escândalo que explodiu tendo como estopim o ex-assessor parlamentar Waldomiro Diniz, braço-direito do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, só constitui novidade para os mal-informados brasileiros da planície. A cúpula do Planalto e do partido já estava careca de saber disso há muito tempo.
Luiz Eduardo afirma que ele próprio, no curso da campanha passada, quando era candidato a vice da governadora Benedita da Silva, a rezadeira, alertou o PT do Rio, dominado pelo comando nacional que então tinha o hoje ministro à testa, sobre o “propinoduto”, cuja vertente era exatamente o jogo que Lula acaba de proibir jurando a inocência dos santos.
As histórias que se sucedem depois que foram reveladas as gravações envolvendo de morte o amigo do capitão do time de Lula são muitas. Já é até difícil distinguir as verdadeiras daquelas que pertencem ao mundo da fantasia. Um bloco carnavalesco de Brasília, por exemplo, saiu às ruas nos dias de folia para ironizar as recorrentes afirmações do presidente do PT, José Genoino, segundo as quais o PT nada tem a ver com o imbróglio, já que Waldomiro não é (e parece que nunca foi) filiado ao partido. “Waldomiro não é filiado ao PT. O PT que é filiado ao Waldomiro” – diziam os foliões, para completar com um refrão provocativo em ritmo de marchinha: “Ô Waldomiro,/ ô Waldomiro. Me diga o bicho que deu/ Se o Zé Dirceu/ Se o Zé Dirceu/ Se o Zé Dirceu também comeu”.
Em matéria de submundo da jogatina e seus derivados -mesmo os que são dados com maior freqüência a alguma “fezinha” – pouco sabemos. Ou melhor, sabíamos. Agora está cada vez mais claro que se trata de um negócio que envolve montanhas de dinheiro, muitos interesses além daqueles dos acertadores e ganhadores e em cujo controle estão de olho governos de todos os níveis, políticos e cabos eleitorais diversos, além de sempre bem-relacionados tesoureiros de campanha e outras lavadeiras mais, algumas delas associadas à corrupção de outros calibres e ao narcotráfico.
Não há unanimidade, nem mesmo dentro do PT, a respeito do assunto. Vejamos que no dia seguinte àquele em que o presidente Lula em pessoa anunciou o fechamento cabal e definitivo dos bingos e caça-níqueis, o ministro da Justiça, Thomaz Bastos, em nome do governo, falava em estatização. Com ela, dizem os prognósticos mais recatados, a Caixa Econômica Federal simplesmente dobraria o ganho com jogos. Como desprezar tão importante fonte de recursos?
Passamos, assim, do escândalo que cresta no fogo da corrupção as mãos de um governo ainda no aprendizado de governar à discussão de fundo sobre o estatizar-não-estatizar. E se antes já era difícil decidir, agora ficou pior. Há razões de sobra para alimentar a argumentação de quem é contra o fechamento; há boas razões para fundamentar o discurso dos que querem o fim do jogo. Na esteira, passa-se a conversar também sobre a reforma partidária e eleitoral, sobre o financiamento público das campanhas políticas, como se elas, de fato, estivessem chipadas nas máquinas caça-níqueis, bingos eletrônicos e outros jogos de azar.
São todos fatos antigos, como está a salientar o ex-secretário nacional de Segurança Pública. E se são assim antigos, desautorizam o arroubo quase pueril com o qual se apresentou à nação um presidente Lula disposto a resolver o problema dando sumiço nele. Afinal, já há decisão judicial garantindo o funcionamento de bingos depois da medida provisória pré-carnavalesca, com a qual queria o governo revogar toda a norma vigente. Esqueceu Lula que o tempo dos atos institucionais ficou para trás faz tempo. Felizmente.