A polícia prendeu ontem os acusados de matar a chutes, no interior do Rio Grande do Sul, Leopoldo Crespo, um velho índio de 77 anos. Se a morte de Crespo fosse um caso isolado, poder-se-ia lamentar e dizer que se trata de um fenômeno raro. E, assim, a partir dele não tirar ilações a respeito da sociedade brasileira. Mas, a verdade é que não se trata de um caso isolado. Sem contar os casos históricos, seculares, este não é o primeiro índio morto de forma bestial em nosso país. Há o caso do índio queimado em Brasília e outros casos nos quais as vítimas são negros, favelados, mendigos, que vivem à margem da sociedade.
Há um verdadeiro faroeste caboclo, de impunidade, que atravessa o tecido social brasileiro. Os que mataram o velho índio eram pessoas também pobres, mas que herdaram a mentalidade cruel, a de que índio não é gente e por isso pode ser morto a coices humanos. Essa é uma herança colonial, do tempo que os caçadores de índios saíam em busca de escravos e tinham, como verdadeiros James Bonds daqueles tempos, licença para matar. Em nome do rei. Em nome de Deus. Mesmo que estes índios se ocultassem por traz de cruzes e de padres, nas missões, como se pode ver no comovente filme Missões. Esses brancos pioneiros não sabiam, mas criaram uma mentalidade cruel e impune.
A bem da verdade, os espanhóis também fizeram isso nas terras por eles colonizadas. E a ferida que deixaram ainda está purulenta. Os brancos descendentes dos espanhóis não conseguem engendrar e talvez no íntimo não queiram com sinceridade a necessária democracia racial. Os americanos também fizeram. Trataram os índios que habitavam as terras que eram dos índios e que vieram a ser os Estados Unidos da América como se estes fossem uma espécie de animais intermediários entre os homens e os bisões e não os primeiros habitantes do continente. Anda sobre duas pernas, mas podiam ser abatidos.
A mentalidade norte-americana que dizimou os índios predomina ainda hoje, mas com outros índios, que somos nós. E revolta latino-americanos e outros povos vítimas da visão exclusivista que os americanos têm do mundo, um planeta cuja bandeira é a bandeira de seu país, cuja capital é Washington, que fala inglês com extraterrestres, como fossem fazendeiros do Arkansas. Tanto que em seus filmes, toda vez que pretendem salvar o mundo, estão a salvar si próprios, não um mundo multirracial, cheio de diversidades, o verdadeiro planeta.
Nós, brasileiros, que repudiamos e sentimos sobre nós, nas relações comerciais e diplomáticas, os efeitos do raciocínio pouco sutil e despido de sofisticação dos cowboys americanos, não podemos conservar em nosso território uma lógica muito parecida. A de que há uma espécie de gente que é melhor que outra e, por esta razão, tem privilégios, como matar a coices seus semelhantes. Ou outros privilégios que, necessariamente, não levam à morte imediata. O que corrompe uma nação é a mentalidade. Se ela não muda, o pais também não.
Edilson Pereira
(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.