Falta o espelho

Existiu, no correr da curta história presidencialista brasileira, algum presidente melhor que o atual? No devido tempo, o Brasil verá, disse Lula em Pelotas, no começo da semana, que nunca houve um presidente assim. Defendia-se de algumas críticas que brotaram de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que fez de tudo para a construção do “show de democracia” que cativou o mundo no período da transição. Na lenda conhecida, a personagem encantada pela própria beleza pelo menos dá-se o direito da dúvida para perguntar se existe alguém melhor ou mais bonito que sua própria imagem refletida.

Mais. A se julgar pelas bravatas que lhe brotam no improviso – isto é, quando é ele mesmo que fala, sem a intromissão de sua assessoria -, Lula estaria tomado pela síndrome de Sassá Mutema, aquele personagem da televisão que se considerava vocacionado a ser o salvador da pátria numa imaginária cidade. São suas as palavras, novamente, a invocar essa qualidade, quando disse na mesma oportunidade, e no mesmo tom, que “alguém vai ter que salvar esse País”. Até aqui, pelo visto, a obra da salvação continua mera esperança, já desmilingüida pela realidade que insiste em continuar seu curso, apesar dos discursos.

Digam o que quiserem, mas também não ficou nada interessante aquela imagem de garanhão que tentou esboçar. Tanto machismo e tanta deselegância só estariam superados por episódio precedente em que o então presidente (depois defenestrado) Fernando Collor de Mello, num momento de impensada reação, procurava informar a platéia brasileira sobre a cor de seu saco escrotal, como se o roxo fosse a garantia de virilidade superior.

Bravatas e bravateiros à parte, essa camisa não serve a Lula, dono de uma biografia humilde, mas honrada pela luta. Por qual motivo a está vestindo, eis o que devem investigar seus assessores mais próximos e seus mais fiéis conselheiros. O ato de salvação do Brasil é obra que não cabe na boca de uma só pessoa. Ademais, prometer é ato mais adequado ao período de campanha, assim como realizar é a ação mais compatível com quem está no governo, com canetas e cordéis à mão. Sem cumprir as promessas de campanha, Lula segue prometendo. E promessa – já se disse alhures – é dívida que, no caso, se acumula.

Ficaria melhor ao presidente de todos os brasileiros se aguçasse os sentidos para verificar o que se passa a seu redor – com seus ministros, por exemplo. Líderes aliados de quase todas as tendências já começam a reclamar publicamente que a equipe jamais montada por qualquer governo (e eis aí outra bravata!) é arrogante, ineficiente politicamente, viaja muito e comete maus-tratos. Dizem que o segundo escalão, salvo honrosas exceções, e desatendendo às ordens explícitas de Lula, é “mais realista que o rei”. Mesmo desprovido de espelhos, Lula e sua equipe haverão de compreender logo, logo que o discurso fundado na dialética ou na ideologia não faz mais a coberta de ninguém. Não é por outro motivo que o presidente do PT, José Genoino, saiu vaiado de um recente congresso de estudantes, ao tentar convencê-los que os radicais de seu partido fazem o jogo da direita. Ao Brasil, nesta quadra, interessa mais o que se faz, não o que se diz. Exceto que tudo o que se faça sejam discursos de péssima qualidade. Como esses.

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