1. Introdução
Entrando em vigor a CF/88 (05.10.88) os arts. 7.º, inc. III, e 8.º, inc. VIII, impuseram duas perguntas:
1.ª) Existe, ainda, a estabilidade decenal prevista na CLT?
2.ª) É necessário o ajuizamento de inquérito judicial para extinguir pacto laboral existente com portador de estabilidade sindical?
São, portanto, essas as duas questões fundamentais que serão examinadas neste trabalho.
2. Estabilidade decenal
A Carta Magna, ao generalizar o regime do FGTS, colocou em dúvida a vigência do art. 492, caput, da CLT, que concede estabilidade ao empregado com mais de dez anos de serviço na mesma empresa.
Somente em outubro de 1989 a Lei n.º 7.839 (DOU 13.10.89) enfrentou esse problema, revogando a Lei n.º 5.107/66 e demais disposições em contrário (art. 300), ressalvando, no entanto, o direito adquirido dos trabalhadores que já tinham direito à estabilidade decenal (art. 12).
A Lei n.º 8.036, de 11.05.90, chamada Lei do FGTS, no art. 14 e § 1.º, manteve a redação da lei anterior.
Com base na Constituição Federal e Lei do FGTS, então, é possível se concluir, com Arnaldo Süssekind, que a estabilidade absoluta no emprego é assegurada aos “empregados urbanos ou rurais, salvo aos domésticos, não optantes do FGTS, que completaram dez anos de serviço na mesma empresa ou grupo de empresas, até 05 de outubro de 1988″(1). Não há qualquer vacilação possível, assim, para se entender que a estabilidade decenal, prevista na CLT, só pode se extinguir com a instauração de inquérito judicial para apuração de falta grave (art. 853 da CLT).
3. Estabilidade sindical
O art. 8.º, VIII, da CF é praticamente igual ao art. 543, § 3.º, da CLT, que diz: “fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação”. Isto fez persistir a interpretação divergente sobre a parte final do art. 543, § 3.º, da CLT (“salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação”). Para alguns isso não significava, absolutamente, a exigibilidade de inquérito judidical no que diz respeito à estabilidade sindical.
No campo doutrinário traz-se à colação o ensinamento de Valentin Carrion: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 13.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 420.
Na jurisprudência o aresto do E. TRT da 3.ª Região, de lavra do Juiz Júlio Bernardo do Carmo: Revista LTr. Ano 55. n.º 02. São Paulo: LTr, 1991. p. 188.
Com todo respeito, mas divergimos desse posicionamento e o fazemos escudados em lições de outros mestres em direito do trabalho.
A Súmula 197 do Excelso STF, aprovada em 13.12.63, tem a seguinte redação: “O empregado com representação sindical só pode ser despedido mediante inquérito em que se apure falta grave”. Essa regra foi aprovada com base no art. 543 da CLT e Convenção n.º 98, de 1949, da OIT, ratificada pelo Brasil(2).
A interpretação do art. 543, § 3.º, da CLT, parte final, é no sentido de que o intuito do legislador “foi exigir o inquérito judicial prévio para autorizar a despedida do dirigente sindical, como ocorre com os empregados protegidos pela estabilidade definitiva, porquanto – durante o período de estabilidade provisória – os direitos e vantagens do trabalhador se equiparam às vantagens e aos direitos dos estáveis”(3).
Qual seria o sentido da expressão contida na parte final do art. 8.º, VIII, da Constituição (“salvo se cometer falta grave nos termos da Lei”) se não fosse para manter o princípio contido no art. 543, § 3.º, da CLT, da exigibilidade do inquérito judicial para apuração de falta grave? O art. 10, II, letras “a” e “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não contém as mesmas expressões. Isso é sinal claro, induvidoso, que o legislador constituinte não quis fosse exigido em relação ao empregado eleito para cargo de direção da CIPA e à empregada gestante a apuração de falta grave via inquérito judicial. Qual outra interpretação se pode dar, senão, ao fato de inexistir nas normas por último mencionadas a mesma expressão contida no art. 8.º, VIII, da CF/88?
A corrente doutrinária que esposamos, por isso, é a de que o art. 8.º, VIII, da CF/88, manteve o art. 543, § 3.º, da CLT, e este sempre exigiu o inquérito judicial para apurar a falta grave do detentor de estabilidade sindical, desde a Súmula 197 do Excelso STF e, especialmente, pela Lei n.º 7.543/86, que deu nova redação à norma citada da CLT.
Nesse sentido, tem-se o magistério de Eduardo Gabriel Saad(4), Orlando Teixeira da Costa(5) e Amauri Mascaro Nascimento(6).
Por fim, a Orientação Jurisprudencial n.º 114 da SDI I do C. TST, inserida em 20.11.97, que dirimiu toda e qualquer dúvida: “Dirigente sindical. Despedida. Falta grave. Inquérito judicial. Necessidade”.
4. Alteração imprimida pela Lei n.º 10.537/02
O art. 789 da CLT, com a nova redação conferida pela Lei n.º 10.537/02, ao se referir a “procedimentos”, inclui o inquérito para apuração de falta grave, conforme explica Sergio Pinto Martins(7).
No que se refere a este especial procedimento (arts. 853 e 855 da CLT), considerando que a nova lei não repete o disposto no art. 789, § 3.º, “d”, e § 4.º, parte final, da CLT, passam a ser aplicáveis as novas disposições genéricas dos incisos I a IV deste artigo, sendo que o prazo para comprovação do recolhimento de custas passa a seguir a mesma regra das demais ações trabalhistas.
Nesse sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia(8).
Esse mesmo autor ainda esclarece que também não mais se aplica a regra anterior, relativa ao valor causa do inquérito judicial (de seis salários mensais do réu empregado). Para ele, este valor da causa não é mais rigidamente fixado por lei, devendo fazê-lo a parte em sua petição inicial, observando o art. 259 do CPC.
5. Conclusões
5.1. A estabilidade pelo labor durante dez anos subsiste para o trabalhador rural e urbano, excetuado o doméstico, apenas se adquirida antes de 05.10.88;
5.2. O art. 543, § 3.º, da CLT já estabelecia a necessidade de inquérito judicial para rescisão do contrato de trabalho de empregado portador de estabilidade sindical, e essa norma foi recepcionada pela CF/88 (art. 8º, VIII), por não haver incompatibilidade, vigendo, ainda, a Súmula n.º 197 do Excelso STF, nos termos da OJ 114 da SDI I do C. TST;
5.3. O art. 853 da CLT não está revogado, e é plenamente aplicável tanto no que diz respeito aos portadores de estabilidade decenal, adquirida antes da CF/88, quanto àqueles que gozam de estabilidade sindical.
5.4. A Lei n.º 10.537/02 alterou o especial procedimento do inquérito judicial para apuração de falta grave no que se refere às custas e ao valor da causa.
NOTAS
(1) SÜSSEKIND, Arnaldo. Comentários à Constituição. 1º vol. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990. p. 365.
(2) Ver: FERREIRA, José Nunes. Súmulas do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 4 e 103; e SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 11. ed. v. 2. São Paulo: LTr, 1991. p. 1.287/1.288.
(3) RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 659.
(4) SAAD, Eduardo Gabriel. Constituição e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1989. p. 184.
(5) COSTA, Orlando Teixeira da. Direito coletivo do trabalho e crise econômica. São Paulo: LTr, 1991. p. 46-47.
(6) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 641.
(7) MARTINS, Sergio Pinto. Custas e emolumentos processuais e as alterações dos arts. 789 e 790 da CLT. Palestra proferida no II Ciclo de Estudos em Direito Processual do Trabalho. Curitiba: Internet-lex, 21.11.02.
(8) GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Despesas processuais na Justiça do Trabalho: Lei n.º 10.537/2002. Revista LTr 66-09, set/02. p. 1.047 e 1.049.
Luiz Eduardo Gunther
e Cristina Maria Navarro Zornig são juiz e assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.