Segundo dados apresentados pela Serasa Experian(1). em outubro/2010 foram decretadas 53 falências no país, sendo 46 de micro e pequenas empresas, enquanto que no período de janeiro a outubro de 2008 houve a decretação (ao todo) de 839 falências. De todo evidente que a redução da retirada de empresas do mercado é formidável, mas a notícia não é alvissareira no que diz com as micro e pequenas entidades. Esses dados são interessantes para a reflexão acerca de um importante tema. A falência da sociedade empresária não implica, necessariamente, a “falência” (arrecadação e indisponibilidade de bens, por exemplo) de seus membros(2). A retirada do mercado, de fato, gera alguns efeitos jurídicos em relação aos sócios (membro de sociedade limitada, v.g.) e nesse passo não há lugar para discorrer acerca das obrigações do sócio de responsabilidade ilimitada e muito menos sobre a “ação de responsabilização” prevista em lei. O que há como norte é justamente a situação do sócio após o afastamento das atividades empresariais(3). De todo evidente que a retirada forçada de uma entidade devedora do mercado causa prejuízos não só aos credores, mas também aos incorporadores, aos empregados e à própria coletividade, em última análise. O objetivo da Lei 11.101/05, como se sabe, é evitar a falência, oferecendo, quanto possível, mecanismos (variados) para a tentativa de salvação da atividade econômica. Mas quando inexiste possibilidade de manutenção da empresa no mercado, sua retirada é de rigor (via falência ou autofalência), sob pena de comprometer a regularidade desse próprio mercado e levar outras empresas ao mesmo nível de crise. Com efeito, nem sempre a chamada “quebra” é causada por má administração de sócio ou não sócio (sendo que pode haver crise sistêmica que afete todo um setor produtivo, por exemplo); nem sempre os administradores praticam atos fraudulentos tendentes a causar prejuízos aos credores e à própria entidade, a fim de que ocorra enriquecimento ilícito, e assim por diante(4). A impossibilidade (ou incapacidade) de honrar compromissos assumidos pode ocorrer em decorrência de uma série de fatores, internos ou externos à entidade, às vezes independentes da “vontade” do administrador. Entrementes, a tendência de afirmar que o incorporador é desonesto (atua com dolo, e assim por diante) faz parte do pensamento arcaico que ainda predomina. Noutros termos, o “falido” vira “criminoso”, deve ser imediatamente afastado da sociedade, como no tempo de Roma. Mas, cada falência é uma falência, e não mais se vive naqueles primitivos tempos ou no período medieval. Com efeito, todo o empreendedor tem (ou deveria ter) ciência de que, ao assinar o contrato social de uma limitada, assumirá riscos inerentes à atividade econômica, voltada ao mercado; há o risco de fracasso no primeiro ano após o nascimento da sociedade empresária; há o risco daquele que jamais empreendeu vir a se tornar um “falido” (como se diz por aí) justamente por falta de habilidade no trato das questões empresariais. A oportunidade de empreender não significa sucesso do empreendimento. Não raro, o fracasso é quase certo para aquele que se propõe a empreender(5) sem o preenchimento dos requisitos mínimos necessários e (ampla) visão estratégica do negócio almejado.
A falência da sociedade empresária, não raro, causa a fática insolvência civil do sócio. Este, muito embora não seja juridicamente “falido” sofre vários reflexos da sentença declaratória, dentre eles os contidos a partir do art. 102 da Lei 11.101/05(6). Questiona-se, então, qual o destino do sócio que de forma alguma contribuiu para o insucesso do negócio e a falência da empresa. Certamente este sócio viverá momentos delicados, para não dizer trágicos. O texto do art. 38 do Dec.-Lei 7.661/45, que dispõe acerca da possibilidade de o juiz fixar módica remuneração em favor do “falido” (ouvidos o síndico e o Ministério Público), não foi albergado pela lei de 2005. Significa isso dizer que, em tese, o sócio de falida não mais poderia, em dias atuais, pleitear a fixação mensal de determinado valor para fins de sobrevivência e observância do princípio da dignidade da pessoa humana (talvez olvidado pelo legislador quando da elaboração de referido texto). Afastado de suas atividades, o sócio que não possui estabilidade financeira; que não detenha habilidades para se aventurar em outras atividades lucrativas; ou que não se curva aos avanços tecnológicos (e o desafio das máquinas está presente), certamente enfrentará momentos tormentosos. As portas quase sempre se fecham a tais sócios. Como dito, o legislador de 2005 deixou de reproduzir o art. 38 da lei de 1945(7) e esse silêncio pode contribuir de forma acentuada e decisiva para a insolvência civil daquele sócio que não foi o causador da falência. Portanto, a retirada do mercado de uma empresa quase sempre espraia efeitos muito mais severos e deletérios do que aqueles elencados no texto legal, e esses efeitos são sentidos justamente por aquele sócio que teve a vontade de empreender e não contribuiu para o insucesso do negócio.
Notas:
(1) http://www.serasaexperian.com.br. Dados de 05/11/2010 (acesso: 11/11/2010).
(2) Um dos mitos ainda existentes é de que os sócios da empresa são “falidos” e ficam sujeitos a todos os efeitos jurídicos da sentença. Ainda não se faz a distinção (necessária e imprescindível) entre a figura do sócio e da sociedade da qual faz parte. Para alguns, decretada a falência da empresa tudo vira a mesma coisa.
(3) A propósito: CLARO, Carlos R. A propriedade e a administração dos bens na falência. In – “Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul”, n.º 66, mai/2010 – agosto/2010, pp. 121-152. Porto Alegre: AMP/RS, 2010.
(4) Cf. CLARO, Carlos R., op. cit., p. 143.
(5) E não são poucos os que levantam o fundo de garantia e resolvem virar “empresários”, ingressando no mercado competitivo sem as mínimas cautelas.
(6) Mas é certo que o sócio (sem responsabilidade subsidiária pelas obrigações sociais) de falida (uma limitada, por exemplo) pode perfeitamente participar do quadro societário de outras entidades. Porém, é vedada sua atuação como administrador. Ainda persiste o mito de que o sócio de falida não pode participar de outras atividades empresariais, considerando-se isoladamente uma interpretação literal do art. 102 da lei falimentar. Ainda persiste o mito de que o “falido” é o responsável pela falência. Basta aqui lembrar as recentes crises internacionais para perceber que não raro empresas nacionais “quebraram” por circunstâncias externas.
(7) E não são raras as críticas que vêm sendo formuladas em relação as falhas e inconsistência do texto legal, que deixou de absorver importantes institutos da lei norte-americana.
Carlos Roberto Claro é advogado em Curitiba, mestre em Direito pelo Unicuritiba.