O povo brasileiro, em plebiscito, votou contra a proibição de produção e comercialização de armas de fogo. Foi a decisão do medo, provavelmente equivocada porque acreditando que as armas só nas mãos dos bandidos e vedada a sua posse por pessoas de bem tornaria mais temerosa a guerra que já se trava entre o bem e o mal. E o mal sempre levando a melhor.
Posicionamo-nos a favor da proibição. Como nós, muitos outros órgãos de divulgação, parlamentares e estudiosos do tema segurança pública. Já que estamos numa democracia, esquálida é verdade, que se faça a vontade do povo. Mas esta, com aprovação da nova legislação há três anos, permitiu a continuidade na fabricação e porte de armas com regulamentações, dificultando a disponibilização de tão perigosos instrumentos de morte.
Pois tão pouco tempo se passou e já agem deputados para, aprovando uma medida provisória do governo federal e emendando-a, banalizar o porte de arma novamente. Isto é, banalizar a vida dos cidadãos mais uma vez e oficialmente.
A MP quer apenas tornar mais célere e mais barato o porte de armas de fogo a quem se outorga esse direito. É quase unanimemente aplaudida no Congresso, quando nos parece que o contrário seria o ideal. O excesso de burocracia, que entre nós é tão usado para atrapalhar a vida dos cidadãos quando esperam a outorga de legítimos direitos, é reduzido quando se trata de colocar-lhe nas mãos um revólver. E para que tenha esse suposto ?direito?, se quer cobrar bem pouco, pois esse negócio de baixar preços é sempre uma atitude simpática, embora não aconteça com outros serviços públicos, nem com o feijão com arroz.
Mas a emenda do relator, deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que não seria demais imaginar amigo dos fabricantes de armas, além de estender a licença para o porte a muitas categorias antes proibidas e outras que só poderiam andar armadas quando em serviço e agora as quer de revólveres nas cintas mesmo quando de folga, ainda libera as de calibre 22, as mais leves e, por isso, menos perigosas. Mas podem ser mortais e isso acaba de ser demonstrado num episódio chocante ocorrido num país onde a paz e a prosperidade são constantes e admiradas em todo o mundo. Referimo-nos à pacata e progressista Finlândia, onde as prisões sempre estão vazias. Lá, o estudante Pekka-Eric Auvines, de 18 anos, aparentemente normal, para ser agradado pela mãe foi presenteado com um arsenal de armas de fogo que poderia, em tão pequeno país, servir para uma guerra. Pois o menino começou a comunicar-se pela internet com outro garoto nos Estados Unidos, que era, como ele, admirador de um criminoso juvenil que matou diversos colegas numa universidade e ainda um professor. Tudo com videoteipes feitos antecipadamente, doentios, em que aparece como um guerreiro herói de histórias em quadrinhos.
O jovem Auvines escolheu no seu arsenal justamente uma arma calibre 22, daquelas que aqui estão liberando, e com 389 balas de que dispunha foi à sua escola, na cidade de Tursa, a 40 quilômetros de Helsinque, e matou oito pessoas, sendo cinco garotas, dois garotos e a diretora do estabelecimento de ensino. Em seguida, para tristeza de sua supermãe, suicidou-se, atirando contra a própria cabeça.
Numa hora em que se multiplicam no Brasil os crimes à mão armada e balas perdidas já matam mais gente do que numa Finlândia, aqui os nossos congressistas e o próprio governo modificam o Estatuto do Desarmamento para agradar certas categorias do serviço público, parcelas desavisadas da população, fábricas de armas de fogo, garotos aloprados. Tudo imaginando que com isso regulem melhor a matéria e previnam novos crimes, quando as estatísticas comprovam que, mesmo ainda mal formalizada e aplicada, a atual legislação brasileira logrou o milagre de reduzir de forma expressiva a criminalidade.