Na preocupação com a ausência de uma política de segurança pública adequada à proteção dos cidadãos do Rio de Janeiro e com a massificação das diligências de busca e apreensão realizadas pelo Exército em favelas, na tentativa de recuperar armas roubadas pelo crime organizado, a AIDP-Brasil pronunciou-se através da seguinte:
Nota Pública
O Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal entidade que congrega penalistas de todo o mundo, com sede em Paris e status de órgão consultivo da ONU deliberou, em reunião de seu Conselho Diretor realizada ontem em São Paulo, manifestar-se publicamente sobre as operações policiais que neste momento estão sendo realizadas por contingentes das Forças Armadas em favelas do Rio de Janeiro.
Reconhecendo embora que uma diligência de busca domiciliar, motivada em fundados indícios e devidamente autorizada pelo órgão judiciário competente, para a recuperação de algumas armas subtraídas de lugar sujeito à administração militar, constituiria medida compatível com a legislação penal e processual penal militar e com os princípios do Estado democrático de direito, ressalta-se que as operações concretamente realizadas revelam-se abusivas e convertem aquela situação lícita inicial num mero pretexto para uma atuação opressiva sobre a população civil pobre, que não se coaduna com as gloriosas tradições do Exército Brasileiro.
Em primeiro lugar, que mandado de busca será este que expõe à vigilância e à invasão dezenas de milhares de domicílios? Se por acaso tratar-se de um daqueles mandados genéricos, abrangentes de ruas ou mesmo de bairros, o Juiz-Auditor que o expediu transbordou do Código de Processo Penal Militar, e no âmbito da Justiça ordens ilegais não devem ser cumpridas. Seria requisito do mandado expedido pelo Juiz-Auditor ?indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome de seu morador ou proprietário? (art. 178, al. a CPPM). A ordem de violação do domicílio não pode ser expedida contra todos os moradores de uma área!
Em segundo lugar, a busca domiciliar deverá ser executada durante o dia (art. 175 CPPM), e ?de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável ao bom êxito da diligência? (art. 178, § 3.º CPPM). A lei está sendo escandalosamente desrespeitada, e constitui uma contradição moral tentar impor a lei através de infrações à própria lei.
Ressalvadas as boas intenções, as aparatosas operações, que estão levando constrangimento e terror às comunidades faveladas, dentro da pior tradição policial da história do Rio de Janeiro, terminam por sinalizar algo preocupante: que as Forças Armadas brasileiras, essenciais para a defesa da Nação e para proteção do patrimônio nacional, estariam dispostas a se transformar em milícias envolvidas no modesto horizonte dos distúrbios urbanos e dos conflitos sociais criminalizados. O aplauso fácil que provém de certos órgãos da mídia e dos leitores por eles formados estará porventura encobrindo a silenciosa satisfação dos interesses anti-nacionais com a metamorfose da grande instituição destinada à defesa da Pátria numa espécie de capitão-do-mato dos quilombos do neoliberalismo.
Em 1887, o Marechal Deodoro, então presidente do Clube Militar, dirigiu-se à Regente pleiteando que o Exército não fosse empregado naquilo que ele chamou de ?papel menos decoroso e menos digno?, referindo-se à recaptura de escravos. O Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal espera que as palavras do grande brasileiro ecoem na alma de nossos Chefes militares.
Rio de Janeiro, 10 de março de 2006
Prof. René Ariel Dotti – Titular de Direito Penal da UFPR;
Presidente da UERJ.
Prof. Nilo Batista – Titular de
Direito Penal; Secretário-Geral.
