Execração pública

O presidente Lula é um ferrenho defensor da presunção de inocência, até que se prove a culpabilidade. Uma posição de se aplaudir, pois que a condenação da prática de ilícito ou desvio de comportamento sem provas é antidemocrática, injusta e desumana. Acontece que em seu zelo pela presunção de inocência, o presidente muitas vezes exagera, esquecendo-se de que quando levanta a voz em defesa de homens públicos apontados por atos de delinqüência no exercício de seus cargos, com o peso de seu prestígio e de seu cargo, está muitas vezes distribuindo salvo-condutos e pondo em dúvida investigações que de fato se fazem necessárias. E para as quais já sobejam indícios. É o caso de Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, importantíssimo aliado do presidente da República. Lula, na posse do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, tendo ao seu lado Renan, pediu que se evite a execração pública das pessoas antes do julgamento delas.

?Uma coisa que me inquieta como cidadão, que me inquieta no comportamento da Polícia Federal e que me inquieta no comportamento do Ministério Público é muitas vezes não termos o cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente antes de serem julgadas? – disse o presidente. Por assim se pronunciar ao lado do presidente do Senado e não haver outro motivo aparente para fazer tais declarações, pareceu óbvio que se referia ao caso de Renan Calheiros.

Lula acrescentou: ?Eu sempre parto do pressuposto de que a democracia garante que todos são inocentes até prova em contrário. Todos precisam ter um julgamento feito com a maior lisura possível para que não se cometa nenhum erro de omissão e nenhum erro de exagero em qualquer uma das nossas instituições. Não há nada pior para a democracia alguém ser condenado sem ter cometido crime. É tão grave quanto alguém ser absolvido e ter tido cometido crime?.

Acontece que no caso de Renan Calheiros, em que o presidente do Senado é acusado de usar um lobista de uma empreiteira para pagar pensão alimentícia a uma filha fora do casamento e o aluguel da moradia de sua namorada, há indícios suficientes de autoria de, pelo menos, agressão à ética parlamentar. Talvez algo mais, como falsificação de documentos, simulação de negócios e sonegação fiscal.

O fato é que já não fica bem o presidente do Senado Federal andar pulando cerca, pois é de se esperar dele um comportamento pessoal irrepreensível. Também não parece regular pagar pensão ao fruto de suas aventuras amorosas através de um lobista e muito menos lobista de uma grande empreiteira que tem negócios com os poderes públicos. Ainda, tentar justificar tudo sem apear de seu trono como presidente do Senado Federal, posição na qual não pode ser aparteado, contestado, inquirido. Diz o que bem entende, mostra papéis e mais papéis que ninguém pode examinar e exige a presunção de inocência. A presunção de inocência até prova em contrário presume que não se impeça a produção da prova.

E não podemos esquecer que o caso Renan está comprometendo o conceito do Senado, pois a Casa nem tinha uma comissão de ética formada; não existe regimento interno do Conselho de Ética; foi convocado um presidente amigo de Renan e que renunciou; chamaram outro, que era também seu aliado, por ser do PT, suplente, portanto senador sem votos e que também renunciou, e um novo relator foi nomeado e igualmente foi embora sem nada relatar. Que se desejava relatar um parecer do primeiro relator que simplesmente negava o direito dos membros da comissão de investigar a verdade.

Agora, conseguiu-se a duras penas eleger um novo presidente para a Comissão de Ética, aliado político de Renan. Mas, pelo menos, cogita-se de investigar se houve ou não infração de princípios éticos, que são tão caros quanto a presunção de inocência.

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