Cumpre assinalar, por outro lado, que esse mesmo Estado de há muito vem fracassando na sua árdua missão de evitar e de combater o crime, posto reconhecidamente inoperantes as políticas de segurança pública e o aparelhamento de repressão ao delito. Se, de um lado, constatamos uma polícia ostensiva e judiciária completamente desmotivada, despreparada e ineficaz, a quem compete investigar e evitar o crime, por outra via vivenciamos um Ministério Público, autor da ação penal e guardião dos direitos difusos, absolutamente renegado a segundo plano, no momento em que quase sempre lhe é negado o seu fortalecimento institucional, por ocasião da fixação da sua dotação orçamentária. Um País em que o Judiciário, responsável número um pela distribuição de justiça e verdadeiro sustentáculo da democracia, só é Poder no momento de ser cobrado, o que acontece insistentemente. Pouco se fala em seu soerguimento ou na sua modernização. Uma polícia que não previne e não investiga a contento o crime, um Ministério Público e um Judiciário reconhecidamente sucateados e inertes frente a uma criminalidade crescente e cada vez mais organizada, necessariamente também dão causa à evolução do crime.
A própria sociedade – responsável solidária pela segurança pública (art. 144, CF/88) – quase nada tem feito em benefício de uma paz social duradoura, no momento em que, chamada a participar da prova indiciária ou processual, costumeiramente se esquiva em denunciar os verdadeiros culpados e a depor nos inquéritos policiais e em processos criminais instaurados com a função de apurar a responsabilidade criminal dos eventuais culpados.
Ouvi de um juiz de Direito, recentemente, a seguinte expressão: ?muitas pessoas estão preferindo ser presas, pois só assim terão acesso à comida e moradia?. É forçoso reconhecer que razão assiste ao magistrado. Embora a liberdade seja um dos mais importantes de todos os direitos e garantias individuais assegurados aos brasileiros pela Constituição, infelizmente, muitos famintos e excluídos socialmente preferem ser custodiados pelo Estado à viver em liberdade, em troca de comida e de moradia A injustiça social, portanto, tem contribuído para o atual quadro de violência e de desumanidade, ao tempo em que tem transformado a liberdade de ir e vir numa utopia para os excluídos da sociedade.
Adeildo Nunes é mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa, juiz de Execução Penal em Pernambuco, membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Professor Universitário. adeildonunes@uol.com.br