Sob o lema "Cidadania ao alcance de todos" pretende-se a revogação do exame da OAB.
A palavra cidadania, a partir desta pretensão, demonstra estar sofrendo os mesmos efeitos perversos que atingiram a palavra democracia. Em nome desta última, muitas nações foram levadas a regimes ditatoriais e autoritários, eliminando-se os direitos fundamentais. Em nome da cidadania pretende-se o aniquilamento da segurança jurídica que a Ordem procurou outorgar ao cidadão. Há muita diferença entre contratar um advogado que teve êxito no exame da Ordem e buscar os serviços de quem não o obteve. Quem você, leitor, contrataria?
A Ordem teve a coragem de Laocoonte na defesa de seus filhos e o mesmo destemor ao enfrentar as duas serpentes o mau ensino jurídico oferecido pelas instituições educacionais e a falta de dedicação ao estudo por parte dos acadêmicos com vista à necessidade de aperfeiçoamento da prática jurídica. Agora, sofre críticas de que as famílias e parentes compartilham do sofrimento, ansiedade e insegurança do jovem que conclui a faculdade de Direito, mas não passa no exame da OAB.
Os gregos já observavam que o homem age impulsionado pelo instinto, emoção e razão. As críticas apresentadas estão no nível da emoção, pois não percebem que os advogados estão vinculados à Justiça. Na sua atuação estes desfrutam da mesma prerrogativa de hierarquia de que gozam o Ministério Público e o Juiz (art. 6.º, da Lei 8.906/94). Ora, se há concursos públicos para o exercício da Magistratura e do Ministério Público, a Ordem também deve exigir o mesmo daqueles que desejarem exercer o múnus público da advocacia.
Alega-se ainda não ser o exame da Ordem o que irá garantir o sucesso profissional do advogado, querendo demonstrar erroneamente ter tal exame o peso de um "selo de qualidade" para o desempenho da atividade de advogado.
Efetivamente o exame da Ordem não é uma garantia de sucesso profissional, porque este depende de vários fatores. Em qualquer profissão o sucesso está centrado na pessoa, porque não é a instituição que faz a pessoa, mas esta que faz a instituição.
Exclusivamente da pessoa dependerá o êxito profissional, porém, o Exame é um princípio indicativo. Se ela foi aprovada é porque demonstrou capacidade e conhecimento. O resto é conseqüência dos predicados pessoais: honestidade, ética, dedicação ao estudo. Não obstante, se a pessoa não teve êxito no exame da Ordem, que é o exame de proficiência do curso jurídico, evidentemente demonstrou não estar apta ao nobre exercício do múnus público. Faltou-lhe algo. Precisa suprir essa deficiência, retomar o estudo com afinco e voltar a prestar o exame, se desejar realmente exercer a advocacia.
Ademais, a exigência do exame da Ordem mudará a mentalidade reinante: o acadêmico que estuda apenas para as provas, ou que faz os trabalhos para obtenção de notas, passará a estudar para a vida. Isso constituirá uma mudança de mentalidade que se faz necessária à nação, em relação a todos os cursos.
A OAB, como presta tutela à sociedade, defendendo-a (art. 44 da Lei 8.906/94), procura dar exemplo de autêntica cidadania, no sentido de oferecer à mesma sociedade certa garantia de qualidade profissional em relação aos advogados. No mínimo, o exame da Ordem é um fator de confiabilidade e de segurança do cidadão quando houver a contratação de um profissional do Direito.
Se a Ordem assumiu o elevado encargo de defender os valores transcendentais da sociedade (democracia, justiça, cidadania, ética etc.), procura ser exemplo ao exigir o exame, a fim de que haja maior responsabilidade em relação aos cursos jurídicos. Se o MEC não aceitou o poder de veto da OAB quanto aos ineficientes cursos jurídicos, a forma de contê-los foi encontrada no referido exame. Em não o exigindo, a OAB estaria homologando publicamente o mau ensino jurídico, como apontou o Presidente Manoel Antonio de Oliveira Franco. Seria publicamente confessar a irresponsabilidade de uma instituição.
A alegação de que a grande maioria dos conselhos constituídos não submete seus diplomados a nenhum exame como condição para admiti-los em seus quadros profissionais não é, data venia, sinônimo de cidadania. Sabe-se que tais conselhos já estão analisando e estudando as mesmas exigências da OAB. Por quê? Imagine-se o Brasil daqui a vinte anos, se todos os conselhos exigirem os referidos exames: quanto haverá de aprimoramento de conhecimento científico, de desenvolvimento pessoal e profissional, de elevação e aprimoramento da cidadania e de defesa da própria sociedade contra os maus profissionais.
A Ordem ser, hoje, minoria em relação aos demais conselhos é um privilégio de sensatez e de razão, porquanto, como observou Platão "… não devemos de forma alguma preocupar-nos com o que diz a maioria, mas apenas com a opinião dos que têm conhecimento do justo e do injusto, e com a própria Verdade." (Critão)
A verdade é que está ao lado da cidadania quem busca aprimoramento profissional; não quem usa apenas a palavra demagogicamente.
Dirceu Galdino Cardin é conselheiro da OAB/PR.