Flávio Luiz Maiorky, ex-prefeito de Santo Antônio da Platina, foi condenado por improbidade administrativa em razão de atos irregulares praticados, durante sua gestão, nos anos de 1997 e 1998. Ele infringiu os arts. 10, incisos II, IX e XI, e 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Durante o seu mandato, Flávio Luiz Maiorky determinou ou permitiu que funcionários da Prefeitura utilizassem veículos oficiais para realizar mudanças ou transportar pertences e equipamentos de particulares. Em uma dessas viagens, por imprudência do motorista, o veículo foi interceptado e apreendido pela Polícia Rodoviária, o que acarretou diversas despesas para o erário municipal.
Ao ex-prefeito foram aplicadas as seguintes penas: a) ressarcimento do dano causado ao erário público municipal, no valor a ser apurado em liquidação de sentença, concernente às despesas com o transporte, viagens de funcionários, consertos do veículo, pagamento de multas e diárias do veículo apreendido, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir da data dos fatos e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, conforme determina o art. 406 do CC/2002 c/c o art. 161 do CTN, estes contados a partir da citação; b) pagamento de multa civil de uma vez o valor do dano a ser apurado em liquidação de sentença.
Essa decisão da 5.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou de ofício, em parte, a sentença do Juízo da Vara Cível da Comarca de Santo Antônio da Platina que aplicou também ao condenado as penas de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de seis meses e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de cinco anos. A decisão de 2.º grau também excluiu a condenação em honorários de sucumbência em favor do apelado (Ministério Público).
O relator do recurso de apelação, desembargador Xisto Pereira, entendeu que a suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios foram desproporcionais ao caso. “Essas penas deveriam ser aplicadas se houvesse prova de que o apelante agiu com desonestidade ao fito de locupletar-se ilicitamente”, assinalou o relator.
O recurso de apelação
Inconformado com a decisão de 1.º grau, Flávio Luiz Maiorky interpôs recurso de apelação alegando que não praticou ato de improbidade administrativa, pois não agiu com dolo, culpa ou má-fé, tanto mais porque eram idosas as pessoas beneficiadas pelos transportes, as quais são amparadas pelo Estatuto do Idoso. Argumentou também que a LIA (Lei de Improbidade Administrativa) deve alcançar o administrador desonesto, não o inábil.
O voto do relator
Leia na íntegra o voto do relator do recurso, desembargador Xisto Pereira:
APELAÇÃO CÍVEL N.º 755.977-5 DA VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DA PLATINA.
APELANTE: Flávio Luiz Maiorky.
APELADO: Ministério Público do Estado do Paraná.
RELATOR : Des. Xisto Pereira.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. CESSÃO DE VEÍCULOS E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PARA TRATO DE INTERESSES PARTICULARES. DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO MUNICIPAL (LIA, ART. 10, INCISOS II, IX E XI). CONDENAÇÃO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. ADEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DAS PENAS APLICADAS EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. ENUNCIADO N.º 02 DAS CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTE TRIBUNAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EXCLUSÃO TAMBÉM DE OFÍCIO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 755.977-5, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Santo Antônio da Platina, em que figuram como apelante FLÁVIO LUIZ MAIORKY e apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
I – RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado do Paraná, adiante identificado como “apelado”, ajuizou ação civil pública em face de Flávio Luiz Maiorky, adiante identificado como “apelante”, dando-o como incurso no art. 10, caput, incisos II, X, XI e XII e, subsidiariamente, no art. 11, caput, da LIA (Lei Federal n.º 8.429/1992) pelo cometimento, em tese, dos seguintes atos de improbidade administrativa descritos na inicial de fls. 03/36:
PRIMEIRO FATO
“Através do Inquérito Civil autuado sob o n.º 26/2004 – o qual instrui a presente – constatou-se que o requerido Flávio Luiz Maiorky exerceu (e exerce) o cargo de Prefeito Municipal de Santo Antonio da Platina na Gestão 1997/2000 (tendo sido reeleito para a Gestão 2001/2004).
Consoante delineado nos autos, em especial denúncia criminal já oferecida contra o requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY (fls. 05/07), este, na condição de Prefeito Municipal de Santo Antonio da Platina, plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, em data de 31 de agosto de 1997, determinou e/ou permitiu que o então funcionário público municipal (mecânico) Jair Reis de Oliveira, conduzindo o veículo Caminhão Chevrolet 12.000, ano/modelo 1989, cor bege, placas ABQ-5492 (de Santo Antonio da Platina-PR), registrado em nome da Prefeitura Municipal desta cidade, se dirigisse até o vizinho Estado de São Paulo, com a finalidade de buscar os pertences dos senhores Teresinha Cirino e Sirlei Batista Medeiros, eis que a primeira estava transferindo residência para este Município e o segundo iria se mudar para a cidade de Tupã-SP.
Assim é que, por volta de 18 horas e 30 minutos daquele mesmo dia, após haver carregado o veículo com os bens móveis de propriedade da Sra. Teresinha Cirino, o referido funcionário público e a dona dos bens se deslocaram da cidade de São Paulo-SP para o Município de Lençóis Paulista-SP, com a finalidade de apanhar outra mudança, esta pertencente ao Sr. Sirlei Batista Medeiros, filho de Teresinha, o que efetivamente foi realizado.
Ultimadas as tarefas iniciais que foi incumbido de efetivar, Jair Reis de Oliveira tomou o rumo de seu primeiro destino, qual seja, Tupã-SP, sendo certo que, durante o trajeto, na Rodovia Marechal Rondon, em específico nas proximidades
do Município de Penápolis-PR, passou a realizar manobras perigosas com o veículo (ziguezagueando na pista) e transpôs a barreira de um pedágio sem efetuar o devido pagamento, razão pela qual culminou por ser interceptado pela polícia rodoviária, que apreendeu o caminhão (fls. 26).
A referida viagem (que tinha destinos certos), tal qual outras, foi irregularmente realizada às expensas do Município de Santo Antonio da Platina-PR, sob o comando do requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, que forneceu o meio de transporte (caminhão), o abasteceu e ainda dispôs certa quantia em dinheiro para as despesas decorrentes da viagem, tais como alimentação do motorista, pedágio, etc. (fls. 298).
Em decorrência da interceptação e apreensão do caminhão, o Município de Santo Antonio da Platina ainda teve outros dispêndios, eis que, por ordem do Chefe de Gabinete do requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, foram encaminhados para
a cidade de Penápolis-SP um veículo Kombi e dois motoristas (um deles para voltar conduzindo o caminhão), tudo pago pelos cofres públicos.
É evidente que a utilização de veículos públicos e a realização de despesas pelo erário em prol de particulares é medida ilegal, pois se traduz em malbaratamento do dinheiro público.
Outrossim, está comprovado nos autos, através do depoimento do Sr. Antonio Fenício (então Secretário de Obras do Município) que a práxis adotada pelo Município de Santo Antonio da Platina, enquanto governado pelo requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, era corriqueira: ‘recorda-se que a prefeitura fazia esses serviços de transportes para as pessoas pobres que pediam (…) salienta que o denunciado nunca ordenou por escrito a realização de qualquer tipo de carreta ou mudança. Alega que os veículos já saíam abastecidos do pátio da prefeitura e que não era cobrado nada pelo carreto (…) Recorda-se que o motorista de caminhão Jair ficou detido na estrada, bem como foi apreendida sua carteira, motivo pelo qual teve que ser mandado outro veículo, com outro motorista para completar a viagem. Ao que consta Teresinha e Sirlei nada pagaram pela mudança (…) a realização de mudanças para os carentes era uma prática usual, inclusive realizada durante outros ‘governos’, o prefeito denunciado não autorizava mas também não era escondido dele’ (fls. 300) – grifado.
Ademais, malgrado tenha sido noticiado pela Sra. Terezinha Cirino (fls. 299), uma das beneficiárias do transporte, que houve o pagamento de R$ 180,00 (cento e oitenta reais) pelos fretes, certo é que tal importância, se efetivamente paga, jamais foi recolhida aos cofres públicos, conforme se infere do cotejo da documentação acostada às fls. 176/184, juntada pelo requerido.
Embora a ordem direta para a realização do transporte das mudanças não tenha partido diretamente do requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, mas do diretor do Departamento de Transportes, é óbvio que havia a concordância, mesmo que tácita, do primeiro, eis que, como já registrado e comprovado, a prática era usual e jamais foi obstada pelo alcaide.
E o fato do requerido haver juntado cópias de documentos de arrecadação fiscal (DAM) – fls. 176/84, que noticiam a existência de recolhimentos de valores para pagamento de transporte de mudanças de particulares é absolutamente irrelevante, quer porque não afasta a ilegalidade praticada, quer porque só vem fortalecer a prova de que o Prefeito tinha plena ciência da ilegal e imoral praxe”
SEGUNDO FATO
“A prática costumeira prosseguiu, e tanto isso é verdade que através do Inquérito Civil autuado sob o n.º 27/2004 – o qual também instrui a presente – logrou-se apurar, como já mencionado na denúncia criminal oferecida (e recebida – fls. 173/177) contra o requerido Flávio Luiz Maiorky (fls. 05/07), que este, na condição de Prefeito Municipal de Santo Antonio da Platina, plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, no dia 07 de janeiro de 1998, determinou e/ou permitiu que
o então funcionário público municipal (motorista) Brás Ataíde, conduzindo o veículo Caminhão GM-Chevrolet 12.000, ano/modelo 1989, cor bege, placas ABQ-5492 (de Santo Antonio da Platina-PR), registrado em nome da Prefeitura Municipal desta cidade, se dirigisse até o Estado do Mato Grosso, em específico à cidade de Alto Paraguai
com a finalidade de buscar maquinários pertencentes à Empresa ‘Áurea Indústria e Comércio de Gêneros Alimentícios’ (cujas atividades envolvem a torrefação, moagem, beneficiamento e armazenagem de grãos), pertencente ao Sr. Wilson Carlos Giangarelli, eis que a mesma iria transferir-se, como efetivamente o fez, para este Município.
Entretanto, na noite de 09 para 10 de janeiro de 1998, quando se encontrava estacionado em frente à sede da referida Empresa, então localizada na Rua Filinto Muller, n.º 2000, Bairro Bela Vista, na cidade de Alto Paraguai-MT, o caminhão foi furtado, consoante atesta o Boletim de Ocorrência de fls. 41.
Após haver permanecido por 12 (doze) dias naquele Estado, a fim de ajudar nas buscas do caminhão (fls. 43), o servidor Brás Ataíde retornou para este Município, sendo que, posteriormente, o bem foi recuperado no Município de Cuiabá-MT (em 23/01/1998), entregue (auto de entrega de fls. 48) e novamente trazido para esta cidade, tendo sido, para tanto, enviado àquele Estado outro funcionário público municipal (Sr. Dirceu Dias dos Reis), que recebeu e conduziu o caminhão no retorno.
Além dos gastos decorrentes de pagamento de combustível e despesas pessoais dos motoristas, foram realizados outros dispêndios para trazer o referido caminhão novamente para esta cidade de Santo Antonio da Platina-PR, tais como a aquisição de peças e aqueles referentes ao conserto da chave de ignição, conforme comprovam os documentos de fls. 51 e 52.
Embora tente dar ao fato conotação de incentivo para instalação de indústria, certo é que a atitude do requerido não atende ao interesse público. Senão vejamos:
Considerando o valor do combustível gasto com a viagem; que uma viagem (ida e volta) de ônibus para a cidade destino (Alto Paraguai) do caminhão pertencente ao Município de Santo Antonio da Platina certamente ultrapassa R$ 200,00 (duzentos reais); que o motorista Brás Ataíde, condutor do veículo, retornou para esta cidade de ônibus (face o furto do veículo) e depois outra pessoa (Sr. Dirceu Dias dos Reis) dirigiu-se até a cidade de Cuiabá-MT para buscar o automóvel (recuperado e apreendido pela polícia), tendo efetuado despesas para o reparo do bem (fls. 51 e 52); que ambos os condutores do caminhão também efetuaram despesas (como de alimentação, eventual estadia, etc.) às custas do erário; e principalmente que evento como este era comum na administração do requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, é evidente que a práxis se distancia (e muito) daquilo que é tido como interesse público.
Ora, se todo o dinheiro público despendido com ‘favores’ desta natureza fosse revertido, por exemplo, em prol do desfavelamento, dando-se moradia digna a, pelo menos uma família carente, poder-se-ia falar em interesse público e social.
Outrossim, é cediço que o incentivo à industrialização normalmente é realizado através da doação de terrenos pertencentes ao Município, empréstimo de prédios, etc., e não pelo meio utilizado pelo requerido.
Urge acrescer que a conduta do requerido esbarra, no mínimo, nos princípios constitucionais da impessoalidade e da eficiência:
A um, porque o requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, na condição de administrador deste Município de Santo Antonio da Platina, não agia em seu nome pessoal, mas como veículo de manifestação da vontade do ente que governa, não podendo, destarte, favorecer apaniguado seu em detrimento de outros cidadãos que poderiam encontrar-se na mesma situação e não foram beneficiados com ação similar.
Neste tópico, é importante mencionar que o princípio da impessoalidade tem, por vezes, igual área de incidência dos princípios da legalidade e da igualdade e, o caso vertente é um caso típico.
A dois, porque não obstante exista certa discussão acadêmica a respeito de ser princípio ou finalidade, certo é que a eficiência não pode ser aceita como característica do ato praticado pelo requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY, vez que a melhor utilização dos recursos públicos não é aquela que escolhe, que privilegia, mas sim a que favorece a comunidade como um todo, resguardada, sempre, a igualdade de todos perante a Lei.
Se de um lado havia o interesse do Município na transferência de mais uma indústria para este local, de outro deve ser considerado que o Sr. Wilson Carlos Giangarelli já havia resolvido mudar-se para esta cidade (e possuía, inclusive, bem de valor, como o caminhão que rumou juntamente com o veículo do Município para o Estado de Mato Grosso – fls. 34), obviamente pelo fato de visualizar a possibilidade de obter maiores lucros nesta região, caso contrário teria permanecido onde estava, pois não é crível nem razoável conceber que uma pessoa – comerciante, principalmente na atual situação em que se encontra o País, deseje se mudar de um local para outro para ter prejuízos.
Ademais, sem embargo das atitudes do requerido, é público e notório que este Município é um dos únicos que vem crescendo na região, o que desperta o interesse de empreendedores, desencadeando um aumento de investimentos no local. Contudo, se todos resolverem ficar na dependência do erário, certamente provocarão a derrocada deste.
O Poder Público tem por dever estabelecer e executar políticas públicas que se destinem à erradicação da pobreza e não a fomentar o uso indevido dos bens e do dinheiro público por particulares, sem qualquer justificativa ou sob o pretexto de ‘ajudar os carentes’ ou ‘incentivar a instalação de indústrias’.
O requerido FLÁVIO LUIZ MAIORKY não apenas demonstrou descaso com o erário e o Município que administrava e ainda administra, como também ter certos problemas no agrupamento e absorção de certos valores éticos e morais inarredáveis à Administração e ao administrador público.
É inquestionável, pois, a responsabilidade do requerido Flávio Luiz Maiorky, que, na condição de administrador do Município de Santo Antonio da Platina e, conseqüentemente, de todos os bens que compõem seu patrimônio, tinha
a obrigação legal de tratar com o máximo zelo esses bens, cuidando não apenas pela sua conservação, como também pela sua correta e legal utilização, sempre tendo em vista o interesse público e o tratamento igualitário entre os administrados.
Neste diapasão, deve ser consignado também que, mediante o favorecimento de alguns poucos, outros munícipes certamente foram privados de ser agraciados com programas que viessem, efetivamente, a atender o interesse público e a moralidade administrativa, não sendo demais frisar que um dos beneficiários do transporte das mudanças (Sirlei Batista Medeiros) sequer tinha por destino o Estado do Paraná e, muito menos o Município de Santo Antonio da Platina, já que estava transferindo residência para o Município de Tupã-SP; e o empresário (Sr. Wilson Carlos Giangarelli) já havia decidido transferir seu negócio para cá, não sendo impeditiva a providencial ajuda do Município ou de quem quer que seja”.
Pela sentença recorrida a ação foi julgada procedente “para condenar o requerido ao ressarcimento do dano causado ao erário público municipal, no valor a ser apurado em liquidação de sentença, concernente às despesas com o transporte, viagens de funcionários, consertos do veículo, pagamento de multas
e diárias do veículo apreendido, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir da data dos fatos e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, conforme determina o art. 406 do CC/2002 c/c o art. 161 do CTN, estes contados a partir da citação.
Ainda, com fundamento no art. 12 inciso II, da Lei n.º 8.429/92, suspendo os direitos políticos do requerido pelo período de 06 (seis) anos, tendo em vista se tratar de dois fatos, o que exige uma reprimenda maior, condenando-o também ao pagamento de multa civil de uma vez o valor do dano a ser apurado em liquidação de sentença, bem como, determino a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado desta decisão.
Diante do princípio da sucumbência, causalidade e proporcionalidade, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando a complexidade do trabalho desenvolvido, o grau de zelo profissional, bem como o local da prestação do serviço e a instrução processual, nos termos do art. 20, § 4.º, do Código de Processo Civil” (fls. 1.716/1.734).
O apelante, em suas razões recursais, sustenta que não praticou ato de improbidade administrativa, pois não agiu com dolo, culpa ou má-fé, tanto mais porque eram idosas as pessoas beneficiadas pelos transportes, amparadas pelo Estatuto do Idoso e que a LIA deve alcançar o administrador desonesto, não o inábil (fls. 1.735/1.751).
O apelado, em contrarrazões, defende o acerto da sentença recorrida e pugna pela sua confirmação (fls. 1.778/1.782).
A Procuradoria-Geral de Justiça aduz que o apelante, em ofensa ao princípio da dialeticidade, se limitou a transcrever, em suas razões recursais, os mesmos argumentos expostos na contestação, sugerindo, por isso, o conhecimento do recurso apenas no tocante ao Estatuto do Idoso, desprovendo-o nessa parte porque referida legislação em nenhum momento “prevê a obrigatoriedade do Município de fazer o transporte de mudanças, com veículos públicos, de seus munícipes” (fls. 1.790/1.798).
É o relatório.
II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
II.a) PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE
Não há que se falar, no caso em exame, em ofensa ao princípio da dialeticidade, uma vez que, apesar de reiterar grande parte de seus argumentos tecidos na contestação, o apelante apontou em suas razões de recurso os fundamentos de fato e de direito que motivam seu pedido de reforma da sentença recorrida, em especial aqueles relacionados à legalidade dos atos que praticou.
Nessa esteira, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:
(a)“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. FUNDAMENTOS DE FATOS E DE DIREITO PARA A REFORMA DA SENTENÇA. OBSERVÂNCIA DO ART. 514, II, DO CPC. PRECEDENTES. 1. Cuida-se de recurso especial interposto pelo Estado do Paraná em face de acórdão que determinou a restituição de valores arrecadados a título de contribuição previdenciária. O aresto, na parte objeto de impugnação na via eleita, recebeu o seguinte resumo: APELO DO ESTADO DO PARANÁ. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RAZÕES DE RECURSO. MERA REPETIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA CONTESTAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 514, INCISOS II E III, DO CPC. RECURSO NÃO-CONHECIDO. 1. ‘As razões do recurso são elemento indispensável a que o tribunal, para o qual se dirige, possa julgar o mérito do recurso, ponderando-as em confronto com os motivos da decisão recorrida. A sua falta acarreta o não conhecimento’. 2. A mera repetição dos argumentos da contestação, sem refutar ou contrapor as razões de decidir, e de modo a embasar os motivos pelos quais a sentença deveria ser modificada, fere o princípio da dialeticidade. O recorrente alega negativa de vigência do art. 514, I e II, do CPC e divergência jurisprudencial. Sustenta, em síntese, que o recurso de apelação deduziu fundamentação suficiente para infirmar as conclusões da sentença impugnada. 2. É inegável que no recurso de apelação interposto pelo Estado do Paraná (fls. fls. 162/167) foi cumprida a determinação contida no art. 514, II, do CPC, porquanto apresentados, ainda que de forma resumida, os fundamentos de fato e de direito que motivaram o pedido de reforma da decisão de primeiro grau. 3. Neste sentido: ‘ – Se os motivos de irresignação do apelante acham-se suficientemente fundamentado, viola o art. 514, II, do CPC, o acórdão que não conhece da apelação a pretexto de não achar-se preenchida a referida exigência legal’. (REsp 179.822/ES, Rel. Min.Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 11/03/2002). – É de ser reconhecida a afronta ao art. 514, II, do CPC, se o Tribunal de origem deixa de conhecer de apelação sob o singelo argumento de que seria idêntica à petição de impugnação aos embargos à execução quando, em verdade, naquele apelo constavam os fundamentos de fato e de direito pelos quais o apelante pugnava pela reforma da sentença. (REsp 842.289/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 02/10/2006). 4. Recurso especial provido” (1.ª Turma, REsp. n.º 1.024.291/PR, Rel. Min. José Delgado, j. em 08.04.2008, destacou-se).
(b)“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. REPETIÇÃO DOS ARGUMENTOS DEDUZIDOS NA CONTESTAÇÃO. POSSIBILIDADE. I – ‘A repetição dos argumentos deduzidos na contestação não impede, por si só, o conhecimento do recurso de apelação, notadamente quando suas razões estão condizentes com a causa de pedir e deixam claro o interesse pela reforma da sentença.’ (REsp 707.776/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/12/2008).Recurso Especial provido.” (3.ª Turma, REsp. n.º 1.172.829/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 03.05.2011, destacou-se).
Rejeita-se, pois, a preliminar para se conhecer do recurso.
II.b) DO MÉRITO
II.b.1) PRIMEIRO FATO
Pelo primeiro fato o apelante foi condenado criminalmente como incurso nas sanções do art. 1.º, inciso II, do Decreto Lei n.º 201/1967, consoante Acórdão n.º 15.300, transitado em julgado, da 1.ª Câmara Criminal deste Tribunal (fls. 399/413).
A condenação criminal do apelante pelos mesmos fatos faz coisa julgada no juízo cível, não se podendo mais questionar sobre a existência do fato ou de sua autoria, a teor do art. 935 do CC, verbis:
“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
Não havendo dúvida sobre a ocorrência do fato e de sua autoria cabe definir em quais dos artigos da LIA se subsume a conduta do apelante.
Demonstrado não restou, e nem mesmo foi alegado na inicial, o enriquecimento ilícito do apelante pela prática do ato em questão. Apesar disso e ainda que não tenha dele partido a ordem para que fosse realizada a mudança de particulares com veículo e funcionário do Município, admitiu ter conhecimento de que essa prática era usual.
No ponto, colhe-se do acórdão pelo qual foi ele condenado criminalmente que “Está evidente que as autorizações vinham do Diretor do Departamento de Transportes, sem o desconhecimento do Prefeito réu, e os veículos já saiam abastecidos do pátio da Prefeitura. Assim, não se pode mesmo admitir que o Prefeito alegue ignorância do ilícito, que ocorria usualmente em sua administração (fl. 292), ainda mais levando-se em consideração, também, que ele não tomou qualquer providência para apurar e coibir o abuso” (fl. 405).
O apelante justificou que esse “serviço” era prestado em prol de pessoas carentes e de idosos, em atendimento ao que determina o Estatuto do Idoso (Lei Federal n.º 10.741/2003).
Essa invocação legal não lhe socorre.
A uma, porque o Estatuto do Idoso entrou em vigor 06 anos após a ocorrência dos fatos (setembro/1997). A duas, porque ações diferenciadas em prol de pessoas carentes e idosas devem ser impessoais, ou seja, postas à disposição de todos aqueles que estiverem nas mesmas condições. In casu, não passou de mera alegação a existência dessa benesse
a todos os munícipes carentes e idosos; pelo contrário, o que restou demonstrado foi que somente duas pessoas foram favorecidas.
Ao assim agir o apelante deixou de observar os princípios da impessoalidade e da legalidade, além de causar prejuízo ao erário municipal.
Isso porque pela prova oral restou evidenciado que as despesas com combustível, alimentação, horas extras, multas e recuperação do veículo foram arcadas pelo Município. Confira-se: “que não deu entrada na Prefeitura nenhum valor para o pagamento do transporte, que tenha chegado ao conhecimento do depoente; que não se recorda sobre o fornecimento de valores para o pagamento das despesas com alimentação do motorista e pedágio” (Flávio Luiz Maiorky, fl. 1.596). “que o depoente recebeu um vale da Prefeitura para o pagamento das despesas com alimentação, pernoite e pedágio… Que no presente caso o responsável Antônio fez o vale perante o caixa da Prefeitura entregando os valores ao depoente, que devia apenas entregar as notas comprovando as despesas efetuadas; que o depoente recebeu o vale em dinheiro” (Jair Reis de Oliveira, fl. 1.598).
O apelante, por via de conseqüência, praticou ato improbo tipificado no art. 10, incisos II, IX e XI, bem como no art. 11, caput (princípios da legalidade e da impessoalidade), da LIA.
II.b.2) SEGUNDO FATO
Por esse fato o apelante foi absolvido na esfera criminal ao entendimento de que, nos moldes do inciso III do art. 386 do CPP, não constitui infração penal (fls. 1.752/1.769).
Essa decisão não faz coisa julgada no juízo cível porque, “Tendo em vista a independência das instâncias administrativa e penal, a sentença criminal somente afastará a punição administrativa se reconhecer a não-ocorrência do fato ou a negativa de autoria” (STJ, 3.ª Seção, MandSeg. n.º 9.772/DF, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, j. em 14.09.2005, destacou-se).
Pois bem. De acordo com a narrativa fática deduzida na inicial o apelante autorizou o uso de caminhão do Município e respectivo motorista para fazer o carreto de equipamento de pessoa jurídica particular vinda do Mato Grosso do Sul, sendo que esse veículo foi furtado durante a viagem, acarretando diversas despesas.
Ao ser inquirido em juízo o apelante admitiu ter concedido referida autorização, justificando essa conduta em lei municipal de incentivo fiscal (Lei Municipal n.º 06/1994), uma vez que indigitada pessoa jurídica tinha a intenção de se instalar em Santo Antonio da Platina, verbis:
“… com relação ao segundo fato, ou seja, o transporte de maquinários do Estado do Mato Grosso para esta cidade o depoente tem a informar que Wilson, pessoa que tinha vínculo com o município, sendo Platinense, estava residindo perto de Cuiabá-MT onde possuía uma torrefação de café, e o mesmo entrou em contato com a Prefeitura solicitando auxílio transporte do maquinário para este município, pois pretendia fazer a transferência da empresa para esta cidade; que apresentou ofício solicitando a prestação do serviço, não se recordando o depoente se houve parecer da Indústria do Comércio quanto ao fornecimento do serviço, afirmando que na época havia a Lei do Incentivo Fiscal, que autorizava o município a prestar auxílio às novas empresas que tivesse intenção de se instalar nesta cidade; que o caminhão da Prefeitura, conduzido pelo motorista Braz, bem como de Wilson, proprietário da empresa, não se recordando se havia mais um outro caminhão que saiu de Santo Antonio da Platina-PR pertencente a Wilson também se deslocou deste município até a cidade do Estado de Mato Grosso, ou se o caminhão da empresa somente retornou junto com a da Prefeitura; que já no início da viagem, um ou dois dias após o caminhão foi furtado sendo o fato comunicado ao depoente que entrou em contato com o Secretário de Segurança Pública do Paraná, Sr. ‘Candinho’, o qual manteve contato com o Secretário de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, na tentativa de localizar o caminhão; que dias após o caminhão foi encontrado… sem nenhuma avaria, apenas com a ligação direta efetuada para dar movimento ao caminhão; que o Secretário de Obras, Sr. Dirceu foi até o Estado do Mato Grosso acompanhar a localização do caminhão, inclusive com seu carro particular; que após o caminhão voltou carregado com o equipamento que foi instalado no bairro Aparecidinho, onde a empresa encontra-se em funcionamento até a presente data; que o município não teve nenhum prejuízo com os fatos já que os gastos, inclusive de hospedagem dos Servidores municipais foram pagos pelo Sr. Wilson”
(fl. 1.596).
Incontroversa, assim, a ocorrência do fato e sua autoria, cabendo apenas definir em quais dos artigos da LIA se subsume a conduta do apelante.
Demonstrado não restou, e nem mesmo foi alegado na inicial, o enriquecimento ilícito do apelante pela prática do ato em questão.
Ele não agiu às escondidas, pelo contrário, o pedido de auxílio para o transporte de maquinário de pessoa jurídica que viria a se instalar no Município foi, segundo ele, documentado até mesmo por ofício.
Independentemente da existência desse expediente, o apelante justificou sua conduta em suposto permissivo legal criado pela Lei Municipal n.º 06/1994.
Segundo sua tese, supôs estar agindo de acordo com a lei, ou seja, que estava cumprindo a lei municipal de incentivo fiscal, praticando, nessas condições, ato probo.
Ocorre, no entanto, que a Lei Municipal n.º 06/1994 não prevê a prestação de auxílio às pessoas jurídicas nos moldes em que tudo se passou.
Essa lei instituiu o denominado “Programa Municipal de áreas Industriais e Comerciais que objetiva garantir a oferta de terrenos destinados à ampliação ou instalação de empresas industriais ou Comerciais no Município” (art. 1.º, fls. 836/839, destacou-se).
Em seu art. 24 – este sim tratando de um benefício fiscal – restaram disciplinadas condições especiais para a aquisição e doação de terrenos destinados à ampliação ou à instalação de pessoas jurídicas no Município, prevendo, ainda, a isenção de tributo por prazo determinado.
Ainda que se possa sustentar que existia interesse público na instalação da referida pessoa jurídica no Município, essa circunstância, por si só, não autorizava a cessão de bem público a particular, porquanto, além da falta de previsão legal para tanto, outros particulares poderiam estar nas mesmas situações e não foram agraciados com a mesma benesse.
O apelante, na condição de Prefeito Municipal, portanto, não poderia, como não pode, invocar em seu favor o desconhecimento ou o deficiente conhecimento do teor de uma lei municipal.
Sua conduta, por isso, caracterizou a prática de ato de improbidade.
Sobre o tema, percuciente o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU NA ESFERA CRIMINAL. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO NA ESFERA CÍVEL. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO DA APELAÇÃO. Constando das razões recursais fundamentos suficientes e que atacam o argumento utilizado pela decisão de primeiro grau, merece rejeitada a prefacial de não-conhecimento do apelo. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO DO APELO REJEITADA. Não há falar em coisa julgada, na espécie, face à sentença proferida no juízo criminal, na medida em que a absolvição do réu, relativamente ao fato descrito na inicial da ação civil pública, foi em razão de circunstância reconhecida pelo juízo criminal, capaz de isentar o acusado de pena, ou seja, a consciência da ilicitude. Isto não impede, à evidência, de proclamar, no cível, juízo de reprovação, se dano houve. A não-consciência da ilicitude do ato, enquanto crime, apenas isenta o acusado da pena no juízo criminal e, como conseqüência, sua absolvição se impõe. Isto não significa, contudo, que no juízo cível não deva reparar o dano, se este efetivamente existiu. Provado o dano, há o dever de indenizar, tratando-se a ação civil pública do meio ou instrumento processual cabível para tal fim” (1.ª C.Cível, ApCível n.º 70003191848, Rel. Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, j. em 17.04.2002, destacou-se).
Com a mencionada conduta o apelante infringiu os princípios da legalidade e da impessoalidade.
Quanto aos danos, mediante análise do conjunto probatório existente nos autos, extrai-se que, em relação a esse episódio, o prejuízo ao erário foi mínimo, correspondendo apenas ao reparo da parte elétrica (tambor de ignição) do caminhão após seu furto (fotografias de fls. 1.572/1.574).
Em relação às demais despesas, as testemunhas foram uníssonas ao afirmar que foram elas arcadas pela pessoa jurídica que se beneficiou do aludido transporte, verbis:
“que, pelo que o depoente sabe, não houve nenhuma avaria no caminhão em razão do furto; que é comum arcar com as despesas o usuário do serviço, no caso o proprietário da empresa de torrefação é quem teria efetuado o pagamento de todas as despesas” (Antonio Afonso Felício, fl. 1.597).
“que havia poucas avarias no caminhão após sua recuperação; que na seqüencia trouxe a máquina daquela cidade até este município; que todas as despesas feitas pelo depoente foram pagas por José, dono da empresa que solicitou o transporte; que também o combustível foi pago por José;(…) que após o furto o depoente voltou para esta cidade no caminhão de José e retornou ao Mato Grosso de ônibus; que os danos causados no caminhão após o furto somente se referiam a parte elétrica, estando em relação as demais partes intacto” (Braz Ataíde, fl. 1.599, destacou-se). “que as despesas com combustível e alimentação foram pagos por José” (Dirceu dos Reis, fl. 1.600).
O apelante, por via de conseqüência, praticou ato improbo tipificado no art. 10, incisos II, IX e XI, bem como no art. 11, caput (princípios da legalidade e da impessoalidade), da LIA.
II.c) DAS PENAS APLICADAS
De se consignar, inicialmente, de acordo com a doutrina de Wallace Paiva Martins Júnior, que “…se o ato ao mesmo tempo é de prejuízo ao erário e atentado aos princípios da Administração Pública, verificado o primeiro deverão ser infligidas as penalidades concernentes ao mais grave…”(Probidade Administrativa. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 257).
Abstratamente consideradas, portanto, as penas são as constantes do inciso II do art. 12 da LIA, isto é, “na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos”.
A ilustre juíza sentenciante, pela sentença recorrida e com base no referido dispositivo legal, aplicou ao apelante as seguintes penas: (a)“ressarcimento do dano causado ao erário público municipal, no valor a ser apurado em liquidação de sentença, concernente às despesas com o transporte, viagens de funcionários, consertos do veículo, pagamento de multas e diárias do veículo apreendido, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir da data dos fatos e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, conforme determina o art. 406 do CC/2002 c/c o art. 161 do CTN, estes contados a partir da citação”; (b) suspensão“dos direitos políticos do requerido pelo período de 06 (seis) anos, tendo em vista se tratar de dois fatos, o que exige uma reprimenda maior”; (c) “pagamento de multa civil de uma vez o valor do dano a ser apurado em liquidação de sentença”; e (d) “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado desta decisão”.
É corrente na voz da doutrina e da jurisprudência a péssima organização do sistema sancionatório da LIA por ter agrupado, em uma mesma categoria, infrações de gravidade altamente variável, em bloco fechado de reprimendas, que não obedecem a um critério adequado e compatível.
Daí o entendimento de que as sanções previstas nos incisos do seu art. 12 não precisam incidir sempre e em bloco pela adoção da conjunção “e” a inúmeras penalidades, cabendo ao julgador, com base no princípio da proporcionalidade, a tarefa de dosar a penalidade.
Em nível doutrinário, Francisco Otávio de Almeida Prado, acerca da dosimetria das sanções previstas na LIA, observa que “Ao selecionar, dentre as sanções previstas, quais as que se mostram adequadas o julgador deverá considerar não só a extensão do dano causado ao erário e a vantagem pessoal auferida pelo agente público – fatores que o próprio legislador erigiu em critérios dosimétricos para a concreta aplicação das sanções por improbidade administrativa. É que, além desses fatores dosimétricos, claramente insuficientes, a conduta do agente deverá ser avaliada também em face dos imperativos derivados do princípio da proporcionalidade em sentido amplo. Esses imperativos, essenciais para que se observe o devido processo legal, adquirem especial relevância na dosagem das punições previstas pela Lei 8.429, de 1992, como forma de compensar a insuficiência dos critérios dosimétricos adotados, que não satisfazem convenientemente a necessidade, enfatizada pela Constituição, de se fixar uma gradação para as sanções (art. 37, § 4.º).
A proporcionalidade (em sentido amplo) impõe que se avalie a conduta do agente em face do grau de comprometimento do bem jurídico protegido, deixando-se de impor carga punitiva mais intensa que a necessária para a preservação desse bem. Postula, ainda, que se avalie a adequação entre a quantidade de pena aplicada e a efetiva gravidade das sanções. A dosagem da pena, ademais, deverá levar em conta a intensidade do elemento subjetivo do agente, revelador do caráter mais ou menos improbo de sua conduta” (Improbidade Administrativa. São Paulo: Ed. Malheiros, 2001, p. 154-156, destacou-se).
Marcelo Figueiredo, diante dessas circunstâncias, defende que a aplicação isolada ou cumulativa das sanções dependerá da situação fático-jurídica do caso concreto, verbis:
“Posicionamo-nos no sentido da ‘liberdade’ do juiz para aplicar as penalidades tal como o caso concreto requer. É dizer, isolada ou cumulativamente, tudo a depender da gravidade do fato, da conduta do agente, de seu passado funcional, da análise do dano e sua extensão etc. As penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. Assim, em determinado caso, apenas a reversão dos bens e multa civil poderão responder à vontade da lei. Em outra hipótese grave, de comprovado dano doloso do funcionário ao Estado, as penas devem ser cumuladas (algumas ou todas). Deve haver proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do diploma, a fim de que não haja injustiças flagrantes”(Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar. São Paulo: Ed. Malheiros, 1995, p. 77).
A maciça jurisprudência dos nossos Tribunais não discrepa desse entendimento.
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, colhe-se o seguinte julgado:
“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Presentes os requisitos legais que autorizam o reconhecimento da improbidade administrativa, cabe ao julgador determinar a sua reparação, não se lhe impondo, contudo, em face do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, a aplicação cumulativa das sanções previstas no art. 12 da Lei n.º 8.429/92, que serão dosadas segundo a lesão havida”(1.ª CCv, ApCvReex. n.º 700000127525, Rel. Des. Roque Joaquim Volkweiss, j. em 13.08.2003).
No mesmo sentido, daquele Egrégio Sodalício, dentre vários outros julgados, 4.ª CCv, ApCível n.º 70005506480, Rel. Des. Vasco Della Giustina, j. em 05.03.2003 e 3.ª CCv, ApCível n.º 70011707213, Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. em 11.08.2005.
Do Tribunal de Justiça de São Paulo, a propósito do mesmo tema: 8.ª C.Dt.Públ., ApCível n.º 207.546.5/9-00, Rel. Des. José Santana, j. em 15.09.2004 e 1.ª C.Dt.Públ., ApCível n.º 224.628-5/8-00, Rel. Des. Wanderley José Federighi, j. em 10.02.2004.
Do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no mesmo rumo: 6.ª CCv., ApCível n.º 1.0685.04.911811-8/001, Rel. Des. Edílson Fernandes, j. em 08.03.2005 e 2.ª CCv., ApCível n.º 1.0417.03.900050-6/001, Rel. Des. Brandão Teixeira, j. em 30.03.2004.
Idêntico é o entendimento dominante deste Tribunal de Justiça: 2.ª CCv., EmbInfrCv. n.º 154.679-8/02, Rel. Des. Luiz César de Oliveira, j. em 18.10.2005; 1.ª CCv., ApCível n.º 135.771-5, Rel. Des. Ulysses Lopes, j. em 11.11.2003; 1.ª CCv., ApCível n.º 106.817-1, Rel. Des. Ulysses Lopes, j. em 06.08.2002; 2.ª CCv., ApCível n.º 112.565-9, Rel. Juiz Conv. Vitor Roberto Silva,
j. em 12.03.2003; 1.ª CCv., ApCível n.º 162.332-5, Rel. Des. Waldomiro Namur, j. em 26.08.2005; 1.ª CCv., ApCível n.º 143.771-0, Rel. Des. Troiano Netto, j. em 19.04.2004; 1.ª CCv., ApCível n.º 161.264-8, Rel. Des. Troiano Netto, j. em 13.12.04 e 2.ª CCv., ApCível n.º 151.986-6, Rel. Des. Bonejos Demchuk, j. em 23.02.2005.
O Superior Tribunal de Justiça, como intérprete magno da legislação federal infraconstitucional, também, de há muito, adotou esse entendimento, verbis:
“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS ‘A’ E ‘C’. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PAGAMENTO INDEVIDO DE HORAS EXTRAS A OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO. ACÓRDÃO QUE AFASTOU A APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR TRÊS ANOS DETERMINADA NA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE QUE NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE EXCLUIR A SANÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA DAS SANÇÕES DO ART. 12, INCISO III, DA LEI N. 8.429/92. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. A aplicação das sanções da Lei n. 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a impunidade. Para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no artigo 12 e incisos, da Lei de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente etc.”(2.ª Turma, REsp. n.º 300.184/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 04.09.2003).
Daquela Egrégia Corte Superior, no mesmo sentido, dentre inúmeros outros, os seguintes precedentes: 1.ª Turma, REsp. n.º 505.068/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 09.09.2003 e 1.ª Turma, REsp. n.º 291.747/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 05.02.2002.
O princípio da proporcionalidade permite, portanto, que possamos discernir o bem do mal, a árvore boa da má, o que é próprio das nossas atribuições de magistrados, pois nenhum agente é igual a outro e nem suas condutas são idênticas. Exatamente por isso, desde o Direito Romano, já se proclamava que ne maior poena quam culpa sit, ou seja, é preciso cuidar para que a pena não seja maior do que a culpa.
Nos casos de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos REsp’s. n.ºs 505.068/PR e 300.184/SP, relatados, respectivamente, pelos Ministros Luiz Fux e Franciulli Netto, estabeleceu alguns parâmetros norteadores para a aplicação do princípio da proporcionalidade, a saber: (a) a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente improbo; (b) o elemento volitivo da conduta, ou seja, se o ilícito foi praticado com dolo ou culpa; (c) a consecução do interesse público; (d) a finalidade da norma sancionadora e (e) o histórico funcional do agente.
Revisitando o material de cognição constante dos autos do processo, nota-se que o apelante em relação ao primeiro fato não ordenou diretamente o uso indevido de bem público e em relação ao segundo acreditou estar cumprindo a lei municipal de regência. O primeiro ato improbo é doloso e o segundo culposo, inexistindo prova de que tenham sido materializados com o intuito de enriquecimento ilícito.
Quanto aos danos, como se viu, apenas o primeiro acarretou significativo prejuízo, enquanto o segundo foi de pequena monta.
No julgamento do REsp. n.º 505.068/PR, antes citado, o eminente Relator, Ministro Luiz Fux, quando integrante da 1.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base em ensinamentos doutrinários de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, deixou patente que “…a aplicação cumulativa das sanções é a regra geral, a qual, em situações específicas, e devidamente fundamentadas, pode sofrer abrandamentos, o que permitirá a adequação da Lei n.º 8.429/92 à Constituição da República.
Tal posição, longe de macular o equilíbrio constitucional dos poderes e conduzir ao arbítrio judicial, viabilizará a formulação de interpretação conforme a Carta Magna e atenuará a dissonância existente entre a tutela dos direitos fundamentais e a severidade das sanções cominadas.
O elemento volitivo que informa o ato de improbidade, aliado à possível preservação de parcela considerável do interesse público, pode acarretar uma inadequação das sanções cominadas, ainda que venham a ser fixadas no mínimo legal. À guisa de ilustração, observe-se que a aplicação das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos ao agente que culposamente dispense a realização de procedimento licitatório apresenta-se em flagrante desproporção com o ilícito praticado, o que redundará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade.
Para auferir tal resultado, a Suprema Corte norte-americana utilizou como cláusula de compatibilização o princípio do devido processo legal, originariamente uma garantia processual, mas ulteriormente utilizado em uma concepção substantiva (substantive due processess). A atuação estatal deveria ser submetida a um teste de racionalidade (rationality test), sendo aferida sua compatibilidade com o comando constitucional a partir de um padrão de razoabilidade (reasonablesse standard).
O Tribunal Federal Constitucional Alemão, ao aferir a constitucionalidade de restrições aos direitos fundamentais, tem adotado a ‘teoria dos degraus’ (Stufentheorie). De acordo com essa teoria, as restrições deverão ser efetuadas em diversos degraus, iniciando pela conduta dotada de menor potencialidade lesiva e ascendendo para os sucessivos degraus, com a conseqüente exasperação das restrições, conforme aumente o padrão de lesividade e a reprovabilidade da conduta. Com isto, é respeitada a dignidade da pessoa humana e observado o princípio da proporcionalidade.
Considerando que a suspensão dos direitos políticos importa em restrição ao exercício da cidadania e a perda da função pública em restrição ao exercício de atividade laborativa lícita, afigura-se clara a desproporção existente entre tais sanções e o ato do agente que, como no exemplo referido, dispense culposamente a realização de um procedimento licitatório. A reprimenda ao ilícito deve ser adequada aos fins da norma, resguardando-se a ordem jurídica e as garantias fundamentais do cidadão, o que preservará a estabilidade entre o poder e a liberdade.
A inexistência de preceitos normativos que permitam identificar de forma apriorística as condutas excluídas da regra geral acima enunciada torna imperativo o estabelecimento, pela doutrina, ainda que de forma singela, de parâmetros de adequação. Para tanto, torna-se possível identificar a proporcionalidade entre a sanção e o ilícito a partir da análise do elemento volitivo do agente e da possível consecução do interesse público.
Ao agente público somente é permitido agir nos limites em que a lei lhe autorize, sendo vasto o elenco de princípios e regras de conduta previstos no ordenamento jurídico. O agente cujos atos sejam informadores por um elemento volitivo frontalmente dirigido a fim diverso daquele previsto em lei apresentar-se-á em situação distinta daquele que tiver seu obrar intitulado de ilícito em virtude de uma valoração inadequada dos pressupostos do ato ou dos fins visados.
Por tal razão, ao ato culposo poderão ser aplicadas sanções mais brandas, já que o resultado ilícito não fora deliberadamente visado pelo agente…“(destacou-se).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nesse ponto, também sustenta que “No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função“(Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 18.ª ed., p. 728, destacou-se).
No caso em exame, diante do exposto, em subsunção dos fatos à norma do inciso II do art. 12 da LIA, afigura-se desproporcional, com o devido respeito, a aplicação ao apelante das penas de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 06 anos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos ou benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos.
Essas penas deveriam ser aplicadas se houvesse prova de que o apelante agiu com desonestidade ao fito de locupletar-se ilicitamente.
No sempre arguto escólio de Fábio Medina Osório, é certo que “Aspecto de grande relevância, no âmbito da fixação das sanções decorrentes da improbidade administrativa, diz respeito aos casos em que a dimensão dos fatos atribuídos aos agentes não justifique imposição cumulativa e integral de todas as sanções legais.
Com efeito, pode ocorrer que determinado agente público cometa fato enquadrado como ‘improbidade administrativa’ sem, no entanto, ocorrer repercussão social intensa.
Veja-se a hipótese em que a lesão é mínima ou até inexistente e, simultaneamente, a ilegalidade ou imoralidade administrativa não traduz ofensa grave aos valores sociais tutelados pela ordem jurídica, seja pelo animus do agente, seja, ainda, pela presença de determinadas circunstâncias ensejadoras de reduzida reprovabilidade social.
Perfectibiliza-se, em muitos casos, um grau de ilegalidade que, apesar de traduzir formalmente a improbidade administrativa, não revela nocividade social merecedora de todos os rigores da legislação, sujeitando o infrator, tão-somente, ao pagamento da multa civil e ressarcimento ao erário.
Cogite-se da aplicação analógica, neste campo, da teoria da reduzida potencial consciência da ilicitude.
O erro pode autorizar uma redução das sanções, dependendo do caso concreto e das circunstâncias reconhecidas pelo julgador.
Além disso, em que pese o agente possuir potencial consciência da ilicitude de sua conduta, é possível que o erro inescusável, no caso concreto, objetivamente reconhecido pelo julgador, enseje uma redução das sanções, atentando-se à necessidade de uma resposta proporcional do Estado aos atos de improbidade administrativa.
Se até no direito penal moderno vigoram amplos princípios descriminalizantes, v.g., adequação social da conduta, insignificância da lesão ao bem jurídico tutelado, também no terreno do direito administrativo seria possível perceber condutas que, isolada e conceitualmente, poderiam ser enquadradas como improbidade administrativa, v.g, o deslocamento irregular de um único funcionário no exercício de suas funções para desempenho de atividade privada em favor do agente público (uso de um funcionário público, reiteradamente, em proveito de interesses particulares), sem que se justificasse, em termos de proporcionalidade, uma resposta tão severa do Estado com aplicação integral das sanções previstas no art. 12 da Lei número 8.429/92, vale dizer, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e interdição de direitos”(Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Ed. Síntese, 1998, 2.ª ed., p. 129, destacou-se).
Impositiva, portanto, a redução das penalidades aplicadas ao apelante, mantendo-se somente as seguintes: (a)“ressarcimento do dano causado ao erário público municipal, no valor a ser apurado em liquidação de sentença, concernente às despesas com o transporte, viagens de funcionários, consertos do veículo, pagamento de multas e diárias do veículo apreendido, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir da data dos fatos e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, conforme determina o art. 406 do CC/2002 c/c o art. 161 do CTN, estes contados a partir da citação”;e (b) “pagamento de multa civil de uma vez o valor do dano a ser apurado em liquidação de sentença”.
Quanto à adequação, de ofício, das penas aos agentes improbos, este Tribunal, no ponto, assim já decidiu:
“ADMINISTRATIVO. ART. 12, III DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DE SANÇÕES DESPROPORCIONAIS SE COMPARADAS À GRAVIDADE DO ATO. REDUÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.
Em se tratando de sanções desproporcionais aplicadas pela prática de ato de improbidade pode o Tribunal, de ofício, reduzi-las”(5.ª CCv, ApCível n.º 398.626-9, Rel. Des. Leonel Cunha, j. em 05.06.2007).
Por fim, é de se excluir, também de ofício, a condenação do apelante em honorários de sucumbência em favor do apelado.
Isso porque esta Corte, por meio de suas Câmaras de Direito Público, pacificou o entendimento no sentido de não ser cabível referida condenação, posicionamento que recentemente culminou com a edição do Enunciado n. º 02, com o seguinte verbete:
“Em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé; dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o parquet beneficiar-se dessa verba, quando for vencedor na ação civil pública” (Precedentes: TJPR, 4.ª CCv, Ap.Cível n.º 479.919-9, Rel.ª Des.ª Maria Aparecida Blanco de Lima, j. em 05.08.2008; TJPR, 5.ª CCv, Ap.Cível n.º 613.051-4, Rel. Des. Xisto Pereira, j. em 14.09.2010; TJPR, 5.ª CCv, Ap.Cível n.º 646.517-8, Rel. Des. Leonel Cunha, j. em 11.05.2010; TJPR, 5.ª CCv, Ap.Cível n.º 647.745-6, Rel. Des. Rosene Arão de Cristo Pereira, j. em 13.04.2010; STJ, 2.ª Turma, REsp n.º 493.823/DF, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, j. em 09.12.2003).
A exclusão dessa condenação pode ser realizada ex officio porque a questão da sucumbência encerra matéria de ordem pública, consoante entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“O magistrado deve, por força do art. 20 do CPC, condenar, ainda que sem pedido da parte contrária, o vencido em honorários advocatícios. A condenação, portanto, trata de matéria de ordem pública cognoscível ex officio. Contudo, o montante da verba fixada na condenação não mais se reveste de cunho público, eis que a ausência de impugnação do montante importa em aceitação do mesmo, de forma que, nos termos do art. 473 do CPC, ‘é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão'”
(2.ª Turma, EDcl. no Resp. n.º 1.143.736, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 08.02.2011, destacou-se).
Em igual sentido, a título de complementação, assim também já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE EXAME. 1. A FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS CONSTITUI MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, PODENDO SER EXAMINADA A QUALQUER TEMPO E EM QUALQUER GRAU DE JURISDIÇÃO, NADA IMPEDINDO SUA REVISÃO ANTE A FLAGRANTE INCOERÊNCIA EXISTENTE NO DISPOSITIVO DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. RECURSO IMPROVIDO”(4ª Turma Cível, ApCível n.º 20060111008714, Rel. Des. Cruz Macedo, j. em 19.09.2007).
Nessas condições, impõe-se conhecer e negar provimento ao recurso, adequando-se, de ofício, as penas impostas ao apelante, nos moldes antes alinhados e excluíndo, também de ofício, a condenação do apelante ao pagamento de honorários de sucumbência em favor do apelado.
É como voto.
III – DISPOSITIVO
ACORDAMos magistrados integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, nos moldes do voto do Relator, em conhecer e negar provimento ao recurso, adequando-se, de ofício, as penas impostas ao apelante e excluindo sua condenação em honorários de sucumbência em favor do apelado.
Acompanharam o voto do Relator os Desembargadores Paulo Roberto Hapner, que presidiu a sessão, e Leonal Cunha.
Curitiba, 04.10.2011
Des. Xisto Pereira,
Relator.
(Fonte: TJ-PR)
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