Os europeus reforçaram seu lobby e acirraram a disputa com os japoneses na reta final do processo em que o governo brasileiro escolherá a tecnologia de TV digital a ser adotada no País. A empresa franco-italiana ST Microeletronics, quarta maior produtora de semicondutores do mundo, informou à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que avalia a possibilidade de instalar-se no Brasil. Dessa forma os europeus se igualaram aos japoneses num critério considerado fundamental pelo governo: a oferta de benefícios à política industrial brasileira. Mais especificamente, a instalação de uma fábrica de semicondutores no País, que venha acompanhada de transferência de tecnologia.
Segundo negociadores do governo, a disputa esquentou nos últimos dias e essa é uma boa oportunidade para arrancar mais vantagens para o País. Por isso, o mais provável é que a decisão sobre qual padrão adotar no Brasil (europeu, japonês ou americano) seja adiada por alguns dias, até que as negociações estejam amadurecidas. Para os técnicos, nunca a política industrial do governo Lula esteve tão perto de atingir seus objetivos. Eles se dizem muito satisfeitos em relação às conversas com os japoneses e igualmente animados com o reforço da posição européia. Dizem, também, que os americanos não apresentaram uma oferta, mas são bem-vindos.
De volta da Inglaterra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá receber amanhã (10) informações dos ministros envolvidos nas negociações. Um decreto editado no mês passado fixava 10 de março como o prazo final para apresentação de um relatório com pareceres de todas as áreas envolvidas. São, segundo assessores, informações técnicas que permitem tomar uma decisão de imediato. A movimentação dos europeus e japoneses, porém, deverá levar o presidente a aguardar a formalização das ofertas melhoradas dos dois concorrentes.
Por enquanto, nem europeus nem japoneses fizeram propostas formais de instalar uma fábrica de semicondutores no Brasil. Nos dois casos, a questão ainda está sendo analisada. Ao contrário de rumores que correram nos últimos dias, não há uma proposta pronta por parte dos japoneses de investir R$ 2 bilhões em uma planta no País.
Segundo interlocutores do lado brasileiro, os japoneses avaliam a possibilidade de produzir no Brasil, além dos semicondutores, telas de plasma e LCD. As conversas envolvem quatro empresas nipônicas. Já os europeus se concentram na possibilidade de fabricar semicondutores, pela ST.
Embora a proposta européia seja mais restrita, ambas atendem ao que a ministra Dilma considera fundamental: a fábrica de semicondutores, mais especificamente uma planta de difusão. A difusão é a etapa mais nobre da produção de um chip, onde se concentra 70% de toda a tecnologia e onde pode haver mais de 300 patentes envolvidas. Grosso modo, é a etapa em que uma lâmina de silício é "gravada" para se transformar em um chip. É esse o conhecimento e a tecnologia que Dilma quer ver transmitidas para o Brasil.
Esta semana foi inaugurada uma fábrica de semicondutores em São Paulo, a Smart, que faz uma etapa menos nobre: a montagem do circuito, o chamado "encapsulamento". O componente tecnológico, porém, vem pronto da Coréia.
Europeus e japoneses também são tidos como empatados em outro quesito, a oferta de financiamento para as empresas brasileiras de radiodifusão. Os japoneses acenaram com US$ 500 milhões do Japan Bank of International Cooperation (JBIC) e os europeus, com 300 milhões de euros. Nos dois casos, são financiamentos à exportação de equipamentos, cuja oferta é normal nesse tipo de transação.
Japoneses e europeus também estão equilibrados no compromisso de incorporar tecnologia brasileira a seus padrões e na possibilidade de brasileiros terem assento nos comitês que decidem o uso dos padrões.
Protesto
Cerca de 50 estudantes fizeram hoje uma manifestação bem-humorada em frente ao Ministério das Comunicações para pressionar o governo a adiar a escolha do padrão de TV digital. Portando faixas com dizeres como "TV Digital: decisão pública e não privada" e "Ministro Hélio Costa: os mineiros estão de olho em você!", eles fizeram muito barulho com apitos e gritos de ordem.
Sete estudantes chegaram a se acorrentar no local e o grupo expôs um aparelho antigo de TV dentro de um vaso sanitário. Os estudantes cursam a faculdade de engenharia em telecomunicações no Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí (MG).