A ameaça real de a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) degringolar no final de abril motivou uma nova tentativa de acerto entre os Estados Unidos, a União Européia e o Brasil, como representante do G-20. No próximo dia 1.º, diante da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, tratará dos entraves da negociação na área agrícola com o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, o representante americano para o Comércio, Rob Portman, e o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy.
O encontro foi agendado na última hora e ainda falta a confirmação da presença do ministro do Comércio e da Indústria da Índia, Kamal Nath. Ao lado do Brasil, a Índia lidera o G-20, o grupo das economias em desenvolvimento da OMC que insistem na liberalização do mercado agrícola, no fim dos subsídios à exportação e na redução substancial das subvenções a agropecuaristas. A rigor, o Itamaraty aproveitou a visita de Mandelson ao Brasil, entre os dias 29 de março e 2 de abril, para propor mais esse esforço.
A reunião ocorrerá sete dias depois da séria advertência de Lamy na Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu sobre o tempo escasso para a conclusão das negociações, iniciadas há quatro anos. O temor do diretor-geral está centrado no risco de os principais atores da OMC não chegarem a apresentar propostas mais consistentes sobre os temas agrícolas e a liberalização dos setores industrial e de serviços até o dia 30 de abril, a data que deveria marcar o início da fase de costura final do acordo.
Lamy deixou claro que não é aleatório o prazo de 31 de dezembro deste ano para que as negociações sejam concluídas. A partir de 2007, extinguirá a vigência do mandato do governo dos Estados Unidos para negociar acordos comerciais, emitido pelo Congresso americano. Sem esse instrumento, qualquer acordo fechado pela Casa Branca poderia ser alterado no seu processo de ratificação pelo Senado. "O fracasso destas negociações nos custaria crescimento econômico. Seria um fracasso para todos os membros da OMC", alertou Lamy.
Desde meados de 2005, o tema de impasse das negociações não foi dissolvido. Trata-se da oferta de acesso a mercados na área agrícola apresentada pela União Européia e considerada absolutamente insuficiente para desencadear contrapartidas nas áreas industrial e de serviços pelas economias em desenvolvimento e em subsídios domésticos pelos Estados Unidos. Na Conferência Ministerial da OMC em Hong Kong, em dezembro, o maior avanço se deu com o compromisso de eliminar os subsídios às exportações agrícolas até 2013.
A União Européia resistiu o quanto pôde a esse movimento mas acabou aderindo ao acerto. Agora, resiste em pôr sobre a mesa uma proposta mais ambiciosa sobre acesso a mercados, mesmo com o sinal claro do Brasil e de outras economias emergentes de que oferecerão mais nas áreas industrial e de serviços. Nesta semana, Lamy, antecessor de Mandelson na Comissão Européia, foi claro em destacar que a União Européia terá de apresentar mais concessões.
No mesmo dia da exposição de Lamy, Amorim declarou à agência Reuters que os países ricos terão de realizar "sacrifícios" para impedir o fracasso das negociações. "Se todos nos movermos ao mesmo tempo, há possibilidades de um acordo", defendeu. "Todo mundo crê que a oferta da União Européia é pobre e isso é o que detém a Rodada Doha."
Em princípio, o encontro de sábado deverá alterar o roteiro de visita de Mandelson ao Brasil, com o risco de sacrifício de sua passagem por Brasília no dia anterior, conforme informou o embaixador da UE no Brasil, João Pacheco. Na capital, ele teria reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que, até a última sexta-feira, não havia sido confirmado pelo Palácio do Planalto – e com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan. Também se encontraria com os embaixadores dos 25 países da Comunidade Européia no Brasil.
