Estou te escrevendo de um país distante

Na semana passada, depois de me colocar diante do texto que havia escrito, decidi fazer algumas reflexões, e em conseqüência disso, realizar algumas reparações e até mesmo mudanças. Retomo agora alguns pontos por acreditar que eles necessitam de esclarecimentos mais substanciais. Porém, antes de qualquer coisa, quero me desculpar, junto aos leitores, pelas falhas ortográficas apresentadas na coluna da semana anterior. Tenham certeza que tomaremos mais cuidados, de agora em diante, para que eles, os erros ortográficos, sejam minimizados, e, se possível, não mais apresentados.

Os pontos a serem retomados estão ligados a uma idéia já trabalhada por mim, desde o primeiro momento que aceitei falar, com minhas palavras, com minhas convicções e com minhas inquietações, a você, amigo leitor, companheiro de trabalho, interessado, ou até mesmo, curioso pela questão da leitura. O comentário se refere à idéia da não cristalização. Penso que um dos mais sérios problemas, em relação à sustentação das colocações em torno da problemática leitura/falta-de-leitura, resida justamente aí. Muitas vezes esquecemos que estamos nas salas de aulas ensinando apenas o possível, não a totalidade das coisas.

Ensinamos, ou compartilhamos, ciências de leituras, que a nós são possíveis, jamais o contrário. Viajamos, sentimos, imaginamos com os possíveis, mesmo que eles sejam sonhos (o sonho que a mim é possível a partir do meu imaginário). São essas nossas ?ensinanças?, mesmo sendo aquelas que acreditamos serem assépticas, desgarradas de outras coisas (coisas que muitos dificilmente aceitariam como científicas), ainda não são. A ciência que eu, que você e que todos nós apresentamos, é a ?pseudociência? da leitura. No texto Le langage indirect, Merleau-Ponty procura apontar a unilateralidade das análises empreendidas em relação à velha indagação ?Que é a literatura??, porquanto faz Sartre fortalecer ainda mais o momento da expressão. Assim, Merleau-Ponty começa observando que, de fato, eu posso experimentar, pela leitura, o sentimento de ter criado o livro de parte a parte, como pretende Sartre. Vejam o livro: Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. SP: Martins Fontes, 1994. (Coleção tópicos). E para quem lê em francês, Cassin, Nicholas. Merleau-Ponty et le literaire. Paris: Vrin. 2002. E ainda: Sartre, Jean-Paul. Que é a literatura. Trad. Carlos Felipe Moisés. SP: Ática, 1989; e também: SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. 2.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1997. Todos discorrem sobre a brevidade das coisas.

Quando falei da leitura como objeto da libido, me referi a uma série de diálogos, de cunho psicanalítico, brilhantemente trabalhados em: Julien, Philippe. O estranho gozo do próximo-Ética e psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1996, e Coelho, Eduardo Prado. Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismos. Lisboa, Martins Fontes, 1999. Para lê-los, é preciso ter clara a idéia de que tanto Freud como Lacan responsabilizam os sujeitos pelas posições que ocupam, e, nesse caso, alguns optam por amar sua escravidão.

Já em relação à dupla feitiço/fetiche, donde advém as palavras gozo, luxuria, orgasmo e outras, colocadas no texto da semana passada, seria interessante consultar os volumes: Silva, Tomás Tadeu da O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Autêntica, Belo Horizonte, 1999, e também Sandroni, Carlos. Feitiço decente. Rio, Jorge Zahar, 2001.

Para aqueles que querem entender sobre a ?amorfidade? das coisas, sugiro uma entrada nos estudos por dois volumes: Zumthor, Paul. A letra e a voz. São Paulo, Cia das Letras, 1993, e Tatit, Luiz. O século da canção. São Paulo, Ateliê Editorial, 2003.

O título do artigo foi retirado de uma peça de Felipe Hirsch, Por um novo incêndio romântico (o texto de F.H. foi inspirado no original A Perfect Ganesh, do dramaturgo norte-americano contemporâneo Terrence McNally). Na peça de Hirsch, assim como no Conto da ilha desconhecida, de Saramago, um homem sai à procura de algo, quase que obrigatoriamente um objeto concreto e utilitário, e acaba se encontrando no amor (e literalmente também encontrando um amor). Para quem não os conhece, vale a pena deixar o imaginário viajar com eles. Mas, para uma leitura menos literária e mais filosófica: Maturana, Humberto e Varela, Francisco. De máquinas e seres vivos. São Paulo, Artmed, 2002. Esse é capaz de mexer com aquilo que já está cristalizado em nosso pensamento.

Se o leitor fizer questão de uma boa leitura sobre as outras histórias da literatura, nada melhor que: Olinto, Heidrun Krieger. Histórias de literatura. São Paulo, Ática, 1997, e Memórias esparsas de uma biblioteca, com José Mindlin e prefácio de Cleber Teixeira; e Memórias de uma guardadora de livros, com Cristina Antunes, prefácio de Ana Luiza Martins; ambos, Co-edição do Escritório do Livro e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Dadas as credenciais, espero que as leituras aconteçam. Que assim seja!

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