Acostumado a dar tom às coisas, fatos e boatos, o publicitário José Eduardo Mendonça, o Duda, foi preso em flagrante com outras pessoas dentro de uma rinha de galos cinco estrelas do Rio de Janeiro, na noite de quinta-feira última. Conta a crônica que ele inicialmente não deu muita importância ao fato, chegando a afirmar que todo mundo – incluindo aí o amigo Lula, presidente da República – sabia de sua paixão por briga de galos. Quando a coisa apertou, pediu licença e ligou para o ministro da Justiça para tentar desfazer o que achava ser apenas um mal-entendido: “Doutor Márcio (Thomaz Bastos), estou preso”.

E daí? Antes, já insinuara algo que o policial em serviço diz não ter entendido bem. “Sou assessor do presidente”, arriscou Duda. Que presidente? O da rinha? Pode ligar para quem quiser, mas não há mal-entendidos. “Rinha de galo é crime.” Desde o início de 1961, há 43 anos. A Constituição classifica o divertimento preferido de Duda como um crime ambiental. O estranho é “todo mundo” saber do crime, conviver com o criminoso, e ninguém fazer nada. Coniventes.

O episódio encerra algumas lições importantes. E a primeira delas é essa da intimidade com o crime, que retira do ato criminoso a gravidade descrita no texto da lei. Pelo menos para os mais amigos. No Planalto, todo mundo sabia que Duda Mendonça freqüentava rinhas, apostava nas brigas, era até sócio fundador do Clube Privê visitado pela Polícia Federal. Chegou a confessar por escrito sua paixão e nessa confissão ninguém viu mal algum. É como se o marqueteiro pessoal do presidente Lula tivesse permissão para delinqüir ou, até melhor, naquele tipo de confronto de animais treinados buscasse a inspiração que alimentava suas campanhas, incluindo aquela do “Lula paz e amor”… Todo artista tem suas excentricidades, ponderou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante.

Outra lição importante que se pode extrair do caso é aquela da reação do ministro da Justiça. Evidentemente que ele percebeu no telefonema do marqueteiro o apelo desesperado de SOS. Mas, apesar de tentado, não se deu por vencido. “Como é que foi isso, rapaz? Você tem que ter um advogado”, aconselhou. Embora pudesse dar ordens à Polícia Federal, a ele subordinada, o ministro preferiu outro caminho. O único possível naquelas circunstâncias. “Esse governo tem uma política de segurança pública impessoal e republicana”, discursou o doutor Márcio, para completar: “Gosto muito dele (Duda), mas ele está, como todos os brasileiros, sujeito à lei”. Dadas também as circunstâncias, cabe o agouro: quem dera fosse sempre, e com todos. Assim.

Na cultura da infração que assola o País, a terceira lição vai para o governo que, além de eventuais prejuízos eleitorais, sem dúvida, sai arranhado desse episódio. Por mais que o Planalto tente dissociar a pessoa física de Duda daquela jurídica representada pela empresa que leva o seu nome, não há como negar a incômoda revelação de convivência, para não dizer concordância, com coisas erradas. Para ser mais justo, com o mundo do crime. Do presidente Lula aos assessores seus e aos maiorais do seu partido recomenda-se algum cuidado extra na escolha de parceiros e assessores e seus hábitos. No caso de Waldomiro Diniz, ex-assessor e amigo do ministro José Dirceu, o governo tentou cortar suas ligações com o submundo dos jogos pela via do fechamento das casas de bingo, de existência até então indiscutivelmente legal. No caso de Duda, assessor especial do presidente Lula, as rinhas já são ilegais de longa data. Embora tenham até aqui funcionado às barbas do poder. Impunemente.

Na rejeição à carteirada que o marqueteiro-mor do País tentou dar na Polícia Federal, por fim, está a mais importante lição do episódio. E não se pergunte o que estava ou esteve por traz daquela operação montada, ao que se diz, graças a denúncias de uma anônima ONG a serviço sabe-se lá de quem. Os delegados Antônio Carlos Cardoso Rayol e Lorenzo Pompílio da Hora merecem o encorajamento que os xerifes da lei precisam ter para perseguir sem trégua também outros criminosos, como traficantes, assassinos e assemelhados, sem que ninguém – como quer o advogado de Duda, escolhido por conselho do doutor Márcio – venha qualificar como “abusiva e inconcebível” uma simples visita a rinhas de galo.

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