Estatuto do Idoso III

Transporte interestadual

Deixamos de concluir neste domingo a abordagem do tema “O Direito à moradia” para tratar do direito do idoso ao transporte interestadual, haja vista inúmeros questionamentos, e em especial decisão proferida na semana passada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4.ª Região sobre esta matéria.

O Estatuto do Idoso no artigo 40, incisos I e II, deixou assentado que “no sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislação específica: a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos; desconto de 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos.”

No parágrafo único do citado artigo está previsto que “caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II.”

Observa-se que aparentemente houve um equívoco do legislador ao contemplar expressamente este direito apenas para o transporte coletivo interestadual, deixando de fazer qualquer referência ao transporte intermunicipal e dentro do mesmo estado. Há uma falta de correlação entre o direito regulado, pois conferiu o mais (transporte interestadual) e deixou de conferir o menos (transporte intermunicipal).

Interpretando estes dispositivos, já nos manifestamos dizendo que o direito ao transporte interestadual é auto aplicável, não necessitando de regulamentação, ficando esta providência apenas para os casos de transporte coletivo intermunicipal dentro do mesmo estado.

Para tanto fizemos uma interpretação sistemática do citado parágrafo único (ele fala que cabe aos órgãos competentes definirem os mecanismos e critérios para o exercício deste direito) e o artigo 118, o qual reza que a “lei entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação.”

Por isso, ao nosso ver, este prazo de noventa dias foi concedido justamente para que fossem definidas todas as questões que necessitavam de alguma providência, legislativa ou de instrumentalização estrutural para o exercício do direito tal qual prevê o citado parágrafo único. No caso em estudo penso que seja o caso de instrumentalização e não normatização.

Desta forma, somente o transporte coletivo intermunicipal, dentro do mesmo estado, ficaria dependente de definição, pela justiça ou pelos órgãos competentes. E isso porque a norma não foi clara sobre este direito. Quanto ao mais, o direito não depende de regulamentação para ser exercido.

Interpretando, ainda, sistematicamente a norma, verifica-se que quando o legislador pretendeu que a matéria fosse melhor discutida e definida, assim o fez expressamente, tal qual consta no artigo 117. Verbis: “O Poder Executivo encaminhara ao Congresso Nacional projeto de lei revendo os critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada prevista na Lei Orgânica da Assistência Social …”

Veja que não há qualquer previsão expressa determinando que o direito em debate merecesse regulamentação, mas tão somente a definição dos mecanismos e critérios para o exercício deste direito pelos órgãos competentes, cuja providência, ao nosso ver, deveria ser levada a efeito até a data da entrada em vigor da lei.

Esta matéria foi objeto de apreciação pelo judiciário havendo “a 4.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região confirmou na última semana a suspensão da liminar que havia determinado à União e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a fiscalização do fornecimento de passagens gratuitas a idosos carentes pelas empresas paranaenses de transporte interestadual. Em março deste ano, o desembargador federal Valdemar Capeletti ordenou que fosse suspensa a decisão da Justiça Federal de Curitiba.

O Instituto Constituição Viva (Conviva), de Ponta Grossa (PR), ingressou com uma ação civil pública na 8.ª Vara Federal da capital paranaense para que as empresas cumprissem o artigo 40 da Lei 10.741 de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso. De acordo com a norma, devem ser reservadas duas vagas gratuitas por veículo para pessoas com 60 anos ou mais que tenham renda igual ou inferior a dois salários mínimos. Caso existam mais de dois interessados nos assentos, as transportadoras devem dar um desconto de no mínimo 50% no valor da passagem para os excedentes.

Em fevereiro de 2004, a 8.ª Vara Federal ordenou a fiscalização no fornecimento das passagens. A União e a ANTT recorreram ao TRF através de dois agravos de instrumento. No dia 16 de março, o desembargador Capeletti, relator do caso no tribunal, decidiu suspender a medida. Ele considerou que os benefícios de reserva de vagas gratuitas e de desconto no valor das passagens não são auto-aplicáveis.

De acordo com o desembargador, o parágrafo único do referido artigo do Estatuto do Idoso determina que caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para a aplicação desses direitos, o que ainda não foi feito. Na última quarta-feira (9/6), a maioria dos desembargadores que compõem a 4.ª Turma acompanhou o voto de Capeletti, confirmando a suspensão da liminar.” (Notícia no site do TRF da 4.ª Região, de 15.06.2004. AI 2004.04.01.012154-1/PR e 2004.04.01.012262-4/PR – site www.trf4.gov.br).

Observa-se que a matéria é bastante polêmica, ao ponto de, no caso noticiado, o julgador de primeira instância haver concedido liminar para que fosse fiscalizada a aplicação imediata deste direito, havendo o julgamento no Tribunal concluído de forma diversa, por maioria (dois votos a um), ficando vencido o eminente desembargador federal Edgard Lippmann, o qual mantinha a decisão de primeiro grau.

Continuamos a entender que o direito em debate é auto aplicável, não necessitando de regulamentação.

No mais, apenas a guisa de debate quanto a necessidade de não se deixar por conta de regulamentação para o exercício do direito, observamos que os órgãos públicos questionados (União e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), preferiram, ao invés de simplesmente regulamentarem a matéria, recorrerem da decisão monocrática argumentando a necessidade de ser regulamentado o artigo em estudo. Este fato por si só deixa enorme desconfiança no sentido de que não há interesse político de regulamentar esta matéria, para que o direto conferido não possa ser exercido.

Finalizando, pensamos que para romper os obstáculos para o exercício deste direito que a decisão judicial informada gerou, dentre os caminhos a serem seguidos, seja o caso de interposição, pelos órgãos competentes (até mesmo o Instituto Constituição Viva (Conviva), o qual está de parabéns pena sua postura), de medida judicial requerendo que o Poder Judiciário fixe prazo para que a matéria seja regulamentada, porque, pela vontade política até aqui tacitamente demonstrada, aparentemente esta matéria não terá regulamentação a curto prazo.

Jorge Vicente Silva

é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, pós-graduado em Pedagogia a nível superior e especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, “Tóxicos – Análise da nova lei”, “Manual da Sentença Penal Condenatória”, e no prelo, “Estatuto do Idoso – Aspecto Penal e Processual Penal” E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br, Site “jorgevicentesilva.com.br”

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