Do direito a moradia (1)
Jorge Vicente Silva
O Capítulo que trata da habitação ao idoso, confere direito “a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.” (art. 37).
Neste particular observe-se que o Estatuto deixou claro que o idoso tem direito assegurado a moradia digna no seio de sua família natural ou substituto, cabendo a ele, e somente a ele, a decisão de deixar, ou não, a sua família natural. Portanto, a decisão de colocar o idoso nos chamados “asilos”, casa-lar, ou similar, como quer esta norma, não é mais uma decisão da família, mas sim da própria pessoa com idade.
Observe-se que a norma confere direitos aos idosos, dentre eles, de ser atendido em instituições públicas, as quais praticamente não existem, muito menos para atender a demanda hoje existente. Cabe neste particular ao Ministério Público promover ação própria objetivando compelir os órgãos competentes a construírem e manterem estas instituições, sob pena desse direito quedar-se em letra morta.
A norma em comento assegura que a “assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexistêncìa de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família.” (art. 37, § 1.º).
Verifica-se que não existindo grupo familiar, casa-lar, ou similar, no caso do idoso ser abandonado, ele tem direito assegurado a assistência integral custeada pelo Poder Público, junto a entidades chamadas de longa permanência. Mais um motivo para urgentemente o poder Público construir entidades para atender esta exigência da lei.
Por esta regra legal, não é mais admissível que pessoas de idade fiquem perambulando pelas ruas, sem terem onde se alojarem, ainda que transitoriamente, cabendo ao Conselho Municipal ou Estadual do Idoso, propiciar que direitos contidos no Estatuto sejam garantidos.
Certamente muitas pessoas indagarão. E se eu encontrar um idoso abandonado e queira fazer cumprir a lei, o que faço?
Pois bem. A lei em comento determinou que fossem criados os Conselhos Municipal, Estadual e Nacional do Idoso, tal qual, v.g., o Conselho Tutelar do Menor, com atribuição para cuidar das situações onde o idoso esteja em situação irregular ou de risco (e o abandono cuida-se desta modalidade de situação), cabendo ao Conselho Municipal do Idoso atuar preventiva e emergencialmente para atender a necessidade premente do idoso.
Assim, a regra é comunicar ou encaminhar o idoso ao Conselho Municipal do Idoso.
E nos Municípios onde ainda não foram instalados tais Conselhos? O que fazer com o idoso abandonado? Pensamos que a melhor solução, quando ocorrer no horário de expediente forense, e a cidade coincidir em ser Comarca, seja este fato comunicado ao Ministério Público, de preferência levando o idoso e deixando aos cuidados do representante do parquet. Certamente ele saberá, e terá instrumentos legais para que a pessoa de idade seja colocada em lugar seguro até que seja resolvido de forma mais definitiva a sua situação.
Outra opção, havendo ou não Ministério Público, e especialmente nas cidades onde não são Comarcas, no horário de expediente do Poder Executivo, diz respeito ao encaminhamento do idoso para a Secretaria Municipal responsável, ou até mesmo ao Gabinete do Prefeito, lhe sendo entregue, de preferência por escrito, para que tome as providências. É importante que isso seja feito, até mesmo por uma questão pedagógica, pois somente assim o mandatário se convencerá da necessidade de implementar o Conselho Municipal do Idoso para cuidar destes questões.
E nos casos em que o idoso for encontrado abandonado fora do horário de expediente forense e do Executivo Municipal, especialmente nas cidades pequenas? A princípio poder-se-ia dizer que deveria ser chamada a polícia para dar encaminhamento à situação. Não creio que esta seja a melhor solução, pois a polícia normalmente sequer consegue tratar e cuidar dos presos da justiça e atender as ocorrências emergenciais de sua função precípua. Por isso, certamente na maior das vezes não possuirá condições e estrutura para resolver situação deste jaz.
Neste caso o melhor a se fazer, se não for possível levar para sua casa, colocar o idoso em um hotel, ou abrigo similar, e por óbvio, propiciando também a alimentação, até que haja expediente na Prefeitura, cuja conta deve ser, ou paga e cobrada da Prefeitura, ou encaminhada para ela efetuar o pagamento. Ou então, como medida pedagógica, para demonstrar ao Prefeito a necessidade de instituir o Conselho Municipal do Idoso, encaminhar o idoso diretamente a sua residência, pegando, de preferência recibo de que o entregou ao mandatário municipal maior.
Ao nosso ver, a melhor medida a ser tomada quando tais fatos ocorrerem em Municípios que ainda não criaram os Conselhos Municipais dos Idosos, seja encaminhá-lo pessoalmente, no horário de expediente, ao Gabinete do Prefeito, e fora dele, diretamente à sua residência, sempre pegando recibo da entrega, para que o idoso não seja abandonado em seguida pelo mandatário municipal maior, maltratado-o ou colocado em lugar de maior risco, etc.
Como se diz no jargão popular. “Na teoria a prática é diferente”. Assim, e no caso do Prefeito ou seus assessores negarem-se a receber a pessoa idosa. O que fazer?
A primeira providência é chamar a polícia para que proceda a prisão em flagrante de quem estiver negando atender o idoso, por infração ao disposto no artigo 100, inciso III, do Estatuto do Idoso, o qual prevê que constitui crime, “recusar, retardar ou dificultar atendimento, sem justa causa, a pessoa idosa”, ainda que seja o Prefeito Municipal.
E no caso da polícia se recusar a atender a ocorrência, independentemente das suas razões, que normalmente serão por ingerência política, o que fazer?
Chamar testemunhas que tenham assistido a esta recusa, anotar o nome dos policiais que recusaram o atendimento, as razões, ou falta delas invocadas, para que possa servir de prova para responsabilização, tanto dos policiais quanto do prefeito ou seus assessores, cujos fatos devem ser comunicados ao Ministério Público, que certamente tomará as providências para punir os responsáveis.
No próximo Domingo daremos continuidade a estes comentários.
Jorge Vicente Silva é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, pós-graduado em Pedagogia a nível superior e especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, “Tóxicos – Análise da nova lei”, “Manual da Sentença Penal Condenatória”, e no prelo, “Estatuto do Idoso – Aspecto Penal e Processual Penal” E-mail: “jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br”, Site “jorgevicentesilva.com.br”