O Estatuto do Idoso entrou em vigor em primeiro de janeiro próximo passado, tendo esta norma tratado de inúmeros direitos relacionados com a pessoa idosa, sendo assegurados diversos deles, os quais até o memento, pelo que tenho percebido, muitas vezes são desconhecidos até mesmo pelas pessoas que no dia-a-dia tratam desta matéria, cuja circunstância nos convenceu a escrever sobre estas questões, mesmo sendo elas alheias ao direito penal e processual penal, que é a nossa concentração nos estudos.
Recentemente, quando fomos entrevistados para o programa Justiça na TV, que irá ao ar nas próximas semanas, pudemos notar que há certa desconfiança quanto a possibilidade dos direitos contidos no Estatuto do Idoso serem efetivadas, tanto da parte que compete ao poder público, quanto aos particulares.
Por maior que seja o pessimismo das pessoas quanto a efetivação dos direitos contemplados, não temos dúvida que esse momento passará, na medida em que, no dia-a-dia, tais direitos passarem a ser respeitados, seja de forma voluntária ou por determinação judicial.
Dentre as grandes conquistas desta lei, a primeira delas foi a definição legal da conceituação da idade para a pessoa ser considerada idosa, que pelo Estatuto restou definitivamente fixado em sessenta anos. A importância desta definição cinge-se no fato de que diversos ramos do direito fixavam diferentemente a idade para assegurar as benesse à pessoa idosa, vindo o Estatuto do Idoso uniformizar esta matéria, ao meu ver, derrogando as outras normas neste particular.
Quanto à idade, esta norma excepcionou diversamente apenas a gratuidade de transporte nos ônibus urbanos e o benefício de um salário mínimo, quando o idoso não possuir “meios para prover a sua subsistência, e nem de tê-la provida por sua família”, sendo assegurado estes direitos a partir do 65 (sessenta e cinco) anos.
No mais, os direitos são assegurados aos 60 (sessenta anos), sendo inúmeros, e de muita relevância para o idoso.
O grande avanço, ao nosso ver, refere-se a disposição expressa da lei no sentido de que a proteção do idoso não cabe somente ao Estado, mas sim à sociedade como um todo, com isso transferindo para ela inúmeras responsabilidades.
A norma conferiu ao Ministério Público inúmeras atribuições, tal como legitimidade para propor ações individuais ou coletivas, fiscalização das entidades de atendimento ao idoso, instauração de inquérito civil e ação civil pública, promoção e acompanhamento das ações de alimentos, atuação como substituto processual, revogação de instrumento procuratório como medida de proteção ao idoso, instauração de procedimento administrativo, obrigatoriedade de participar em todos os feitos onde se discuta os direitos assegurados no Estatuto, etc. Grande inovação foi autorizar o representante do parquet poder transacionar relativamente a alimentos, cujo acordo vale como título extrajudicial.
Ficou assentado que é obrigação do poder público quanto ao dever de sustento do idoso, quando ele ou a família não tiverem condições de subsistência, ainda que não haja completado sessenta e cinco anos de idade.
Adiante abordaremos inúmeros direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso, e que devem ser atendidos pelos responsáveis, e em caso de negativa, o Advogado e o Ministério Público será instrumento para fazer valer este direito, batendo as portas do Poder Judiciário, seja com medidas judiciais individuais ou coletivas.
Fornecimento gratuito de medicamentos
Gratuidade no fornecimento de medicamentos, especialmente de uso contínuo, próteses, e instrumentos para habilitação ou reabilitação, é um dos direitos importantes contemplados ao idoso pelo Estatuto.
É importante neste particular observarmos que o Estatuto não faz restrição para concessão desses direitos, quanto a condição econômica do idoso, sendo único requisito, que tenha sessenta anos de idade.
Veja-se que para os medicamentos de uso contínuo o fornecimento gratuito é indiscutível, podendo ser garantido também quando aos demais, bastando que o idoso comprove a impossibilidade pelas condições financeiras, de adquiri-los. Ao nosso ver, quando a lei fala em “especialmente os de uso contínuo” está fazendo diferenciação entre os idosos “com”, e “sem” poder aquisitivo para comprá-los (artigo 15, § 2$), e aplica-se esta regra apenas ao fornecimento de medicamentos de uso não contínuo.
Assim, o fornecimento pelo Poder Público de medicamentos de uso contínuo, independe de comprovação da situação econômico-financeira do idoso, bastando a demonstração da necessidade do remédio ser tomado de forma continuada, enquanto para os demais, no caso do idoso ou de sua família não possuir condições financeiras de comprá-los, sem comprometer o sustento, a pessoa de idade tem direito a gratuidade desses medicamentos.
A norma neste particular pretendeu garantir ao idoso direito a tomar todos medicamentos prescritos pelo profissional da saúde, independentemente da sua situação econômica.
Proibição de cobrança diferenciada nos planos de saúde
Outro benefício conferido ao idoso é a proibição de cobrança de valores em razão de idade. Assim, não pode haver elevação do preço da mensalidade, face a idade, após a pessoa completar sessenta anos (artigo 15, § 3.$), sendo gratificante verificarmos que as empresas prestadoras desta modalidade de serviço já se enquadrarem a esta regra.
Neste particular, considerando a posição já tomada pelas empresas, fica pendente de interpretação apenas a questão relacionada à cobrança discriminatória, face a idade igual ou superior a sessenta anos, que havia até a entrada em vigor deste Estatuto. Neste particular penso que a correção do valor da cobrança da mensalidade deve partir do valor que os planos de saúde cobravam em primeiro de janeiro próximo passado, tendo ele como marco para fins de incidir o percentual de reajuste por ventura aplicado.
Direito à acompanhante em hospital
Pelo Estatuto em comento o paciente idoso tem direito a acompanhante, independentemente do lugar em que se encontre internado, durante o tempo integral de sua permanência, segundo o critério médico. Neste particular é importante observar que o profissional da saúde responsável pelo tratamento, quando concluir pela impossibilidade do acompanhamento, deverá justificá-lo por escrito, e fundamentadamente (artigo 16).
Duas questões merecem consideração neste aspecto. A primeira está relacionada com a justificação escrita prevista na lei, que deve ser interpretada como sendo “escrita e legível” ao cidadão comum, não servindo para tal aqueles rabiscos manuscritos postos nos receituários médicos, onde somente os farmacêuticos (e muitas vezes nem eles) conseguem interpretar o que o profissional da saúde escreveu.
A segunda, com a necessidade de indicação dos motivos pelo qual o paciente não pode ser acompanhado por alguém de sua confiança, porque é isso que pretendeu o legislador quando determinou que a negativa fosse por escrito. O médico que descumprir esta determinação legal, ficará sujeito, dentre outras responsabilidades, também junto ao seu Conselho de Classe.
Comunicação de maus tratos
Ficou expressamente consignado no Estatuto do Idoso a obrigatoriedade de comunicação pelos profissionais da saúde, de “suspeita ou confirmação de maus tratos contra o idoso”, junto a autoridade policial, Ministério Público, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Estadual do Idoso ou Conselho Nacional do Idoso.
Esta exigência é muito importante, tanto no aspecto de detectar os maus tratos aos idosos de forma individualizada, como a responsabilização penal do agressor, que uma vez efetivada é corretiva para o caso denunciado e preventiva na medida em que ela inibirá esta modalidade de conduta por outras pessoas, face o medo, temor ou receio de também receber sanção penal.
No próximo domingo abordaremos outros direitos assegurados aos idosos, observando a necessidade das pessoas que tenham negado os direitos contemplados pelo Estatuto em comento, em buscarem fazer valer estes direitos junto ao Poder Judiciário, se necessário, pois somente assim será quebrada toda resistência para efetivação da norma, inclusive pelo Poder Público. Visando unicamente facilitar e incentivar que as pessoas legitimadas para buscarem estes direitos, se preciso inclusive junto ao Poder Judiciário, estamos disponibilizando no nosso site www.jorgevicentesilva.com.br, modelos de pedidos administrativos e petições iniciais de mandados de segurança visando garantir a gratuidade de medicamentos.
Jorge Vicente Silva
é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas, Pós-graduado em Pedagogia a nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, “Tóxicos – Análise da nova lei”, “Manual da Sentença Penal Condenatória”, e no prelo, “Estatuto do Idoso – Aspecto Penal e Processual Penal” E-mail: “jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br”, Site “jorgevicentesilva.com.br”