Neste ano de 2008, em 13 de julho, o Estatuto da Criança do Adolescente completará 18 anos de sanção (tendo entrado em vigor em 12 de outubro de 1990). De lá para cá, não obstante os ditames da doutrina da proteção integral (que, reconhecendo a situação de vulnerabilidade da população infanto-juvenil, estabelece incumbir à lei a garantia – para todas as crianças e adolescentes – do exercício de seus direitos fundamentais), forçoso reconhecer que na realidade brasileira milhões delas continuam sendo perdidas para a subcidadania, experimentando a marginalidade social (isto é, colocadas à margem dos benefícios produzidos pela sociedade) e, em alguns casos, impulsionadas para a criminalidade. A sociedade brasileira, pela manipulação ideológica que sofre, ou mesmo por falta de solidariedade, não tem olhos – e coração – para enxergar os seus filhos vítimas da exclusão social. Por outro lado, o Estado Brasileiro, que continua se vangloriando da ampliação do superávit primário para o pagamento da dívida interna e externa (a qual, por comando constitucional, deveria ter sido submetida a uma auditoria até hoje não realizada – v. art. 26, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), sequer desenvolve suficiente política de assistência social para atendimento das famílias empobrecidas e despossuídas. Ao mesmo tempo, sabemos, os políticos corruptos, os funcionários públicos peculatários, os empresários quadrilheiros e os grandes fraudadores do fisco permanecem ?sangrando? impunemente os cofres públicos, desviando exatamente os recursos que seriam necessários para a efetivação de políticas sociais. Assim, forçoso admitir que a lei – ainda que de reconhecida excelência – não tem o condão de, por si só, alterar a realidade social. O que transforma a sociedade é, na verdade, o exercício dos direitos previstos na lei. Então, considerado nosso contexto de iniqüidades (políticas, sociais e econômicas) e na perspectiva da construção de condições mais justas e igualitárias (capazes, por isso mesmo, de instalar relações sociais solidárias e pacíficas), pretende-se, nessa atual quadra histórica dos seus 18 anos, que as forças progressistas da sociedade brasileira venham a interferir de maneira mais incisiva (e positiva) na implementação das regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (diploma legal que apresenta, como já se disse, principal objetivo de universalização da cidadania infanto-juvenil, assegurando-se que todas as crianças e adolescentes possam vir a ser consagradas com direitos que somente parte privilegiada dessa população hoje exercita). Assim sendo, em passo necessário para o exercício dos direitos contemplados no ordenamento jurídico, indispensável intensa e adequada divulgação das normas do ECA, notadamente através dos dois mais importantes aparelhos ideológicos do Estado: os meios de comunicação e o sistema educacional. Horários reservados em rádios e televisões (atendendo-se à finalidade educativa prevista no art. 221, inc. I, da Constituição Federal) e a inclusão da matéria em todos os currículos escolares (tal qual já estabelecido por lei federal para o ensino fundamental) certamente servirão para levar a lei ao conhecimento da população. Nessa mesma linha (e como já ocorre no Paraná em razão de decreto estadual), fundamental que o tema Direito da Criança e do Adolescente tenha questões obrigatórias em todos os concursos públicos (preparando-se todos os servidores para o respeito e correta aplicação das leis atinentes). Em outro aspecto, para além da espontânea atividade do administrador público em favor das crianças e adolescentes (afinal, como sempre dizem eles, não é delas que depende o futuro do país?), o sistema de Justiça – sob a égide do princípio constitucional da prioridade absoluta em favor das crianças e adolescentes (v. art. 227, da CF) – deve atuar, quando necessário, com efetiva preferência, afinco e eficiência na materialização das promessas de cidadania existentes na Constituição Federal e, principalmente, no ECA para a população infanto-juvenil (cumprindo com responsabilidade não só profissional, mas também política, social e ética), de molde a elevar em dignidade as respectivas funções do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, entre outros (nesse campo, tome-se como exemplos a recomendação do Conselho Nacional de Justiça aos Tribunais de Justiça no sentido da implantação e manutenção das equipes previstas no art. 150, do ECA; ou aquela advinda da Corregedoria-Geral do MP-PR que estabelece a participação dos Promotores de Justiça nas reuniões dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, mantendo em arquivo as respectivas atas). Pela importância indisputável no denominado Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, de se ampliar cada vez mais a participação da sociedade civil nas instâncias democráticas dos Conselhos Tutelares (a quem incumbe fiscalizar o adequado funcionamento de todo o sistema de atendimento à infância e juventude, podendo inclusive requisitar serviços públicos para a execução das medidas que aplica) e dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. No que diz respeito à política de atendimento à infância e juventude (a ser deliberada pelos Conselhos dos Direitos enquanto espaços de democracia participativa), de se reforçar o raciocínio de que – além da escola, da família e de outros espaços adequados para o seu desenvolvimento – lugar de criança é nos orçamentos públicos, cumprindo-se o princípio constitucional da prioridade absoluta no que tange à preferência na formulação e execução das políticas públicas, assim como, especialmente, à destinação privilegiada de recursos para a área (v. art. 4.º, do ECA). O acompanhamento da elaboração e execução das leis orçamentárias (começando pelos planos plurianuais, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, até o orçamento propriamente dito) surge assim indispensável para a melhoria – sob todos os aspectos – das condições de vida das nossas crianças e adolescentes. Não se tenha dúvida de que esse é o caminho: fortalecimento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, de maneira a que, como verdadeira revolução em todas as localidades e Estados, sejam realizadas investigações destinadas a diagnosticar a efetiva situação da infância e da juventude para, em seguida, restar traçada adequada política de atendimento às necessidades detectadas (como motivo a festejar, cita-se, nesse aspecto, decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido da obrigatoriedade de efetivação, por parte do administrador público, da política deliberada pelos Conselhos dos Direitos: ?1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido? – RESP 493811, 2.ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15/3/04). Exemplos positivos nessa linha são a criação, em todas as Universidades Estaduais do Paraná, de Núcleos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (com, entre outras, a função de assessorar regionalmente os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente no diagnóstico e na formulação das políticas para a área da infância e juventude); ou os Decretos Municipais de Curitiba, Londrina, Foz do Iguaçu e Campo Mourão, que estabelecem o obrigatório acolhimento nas leis de conteúdo orçamentário das resoluções do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; ou, ainda, a atuação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (que passou a verificar a existência e funcionamento em todos os municípios do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como o atendimento, nos orçamentos municipais, de suas deliberações). Enfim, no ano de sua ?maioridade?, a perspectiva é de que, quando da efetivação do ECA pela ação dos poderes públicos (articulada com a sociedade civil organizada) e, se necessário, via cumprimento de dever funcional por parte, especialmente, do Ministério Público e do Poder Judiciário no Juízo da Infância e Juventude, estaremos todos colaborando decisivamente para que a Nação brasileira venha a alcançar, o quanto antes, o seu objetivo fundamental: o de instalar – digo eu, a partir das crianças e adolescentes – uma sociedade livre, justa e solidária.

continua após a publicidade

Olympio de Sá Sotto Maior Neto é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.

continua após a publicidade