Estatuto da Cidade: supremacia do interesse coletivo

Grande a indagação feita sobre a função social da propriedade, assim como o conflito gerado acerca do interesse coletivo em detrimento ao direito individual de uso, gozo e disposição da propriedade privada. Busca-se saber como chegar ao melhor desenvolvimento urbano e social sem se atropelar os direitos e garantias individuais.

Certo é que a maioria esmagadora de cidadãos brasileiros imploram por melhores condições de vida, além de uma necessária e urgente distribuição de renda. O povo brasileiro clama por justiça social. Fato, inclusive, demonstrado nas eleições últimas, em que a esperança foi vencedora daquele pleito nacional.

A problemática, então, vem à prática. Como resolver tamanhos conflitos sociais? A resposta pode estar na sustentabilidade das cidades brasileiras, que detêm esmagador número desses conflitos. É nelas que deverá haver uma grande conscientização de que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse particular; não o prejudicando ou extinguindo, mas, sim, fazendo com que o indivíduo opere seu patrimônio de forma a contribuir para a melhoria das condições de vida e equilíbrio social.

A devida aplicação dos dispositivos contidos nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, complementada pela Lei n.º 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), não só pode como será o mecanismo idealizador das transformações que a sociedade brasileira espera e exige.

A propriedade privada, deverá, então, atender às exigências legais, para que venha a ser produtiva, sirva à moradia, seja utilizada de forma adequada e evite a poluição do meio ambiente. O estatuto obriga a aplicação, dentre outras, dessas diretrizes gerais, evitando-se degradação ambiental, ordenando o solo, retendo a especulação imobiliária que resulte na subutilização ou não-utilização dos imóveis.

A lei municipal deverá determinar o parcelamento, a edificação ou utilização compulsória do solo urbano, aplicando progressividade nas alíquotas do IPTU, por prazo de 5 anos, para os casos de descumprimento, e, findos os 5 anos, poderá proceder a desapropriação do imóvel, com pagamento por meio de títulos da dívida pública (arts. 5.º, 7.º e 8.º).

Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até 250m, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para a moradia, adquirirá o seu domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural. E as áreas urbanas com mais de 250m ocupadas por população de baixa renda, nas mesmas condições mencionadas e não sendo possível identificar as divisas, será transformado em condomínio especial (arts. 9.º e 10).

O estatuto prevê, ainda, a preferência do Poder Público para a aquisição de imóveis urbanos, para fins de regularização fundiária, execução de projetos habitacionais, constituição de reserva, ordenamento e direcionamento do crescimento urbano, além de preservação ambiental, cultural e patrimonial.

Vide que o interesse público deverá prevalecer ao individual, a fim de que o desenvolvimento urbano seja ordenado. Modo bem apresentado em artigo do site a priori, elaborado por Emerson Wendt, ao rezar que “em defesa dos interesses públicos, obriga-se a Administração Pública a intervir na propriedade privada, através da restrição, limitação, condicionamento ou retirada de direitos dominiais privados ou a sujeição do uso de bens que expresse o fundamento na necessidade ou utilidade pública, ou interesse social e a autoriza”.

Portanto, as limitações impostas pela administração vêm apenas para o clamor público, formando condições mínimas que atendem ao interesse social. Não é mais possível entender que o direito de propriedade seja absoluto, já que existe a coexistência de outros direitos, o dos outros cidadãos.

A Constituição Federal tem que ser respeitada, pois é a voz do povo brasileiro, assim como os administradores municipais o terão que exercer, seja pela vista das necessidades sociais coletivas, seja pelo peso formal da sua responsabilidade na não-aplicação do disposto no Estatuto da Cidade. E o Estado, enfim, atuará sempre pela supremacia do interesse coletivo sobre o privado, por um País mais justo e fraterno.

Giovani Zilli

é advogado em
Curitiba.zilli@fleischfresser.adv.br

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