Estágio de foguete explode no céu da região Sudeste

Sem aviso, uma bela e brilhante bola de fogo iluminou o céu da região Sudeste do Brasil, às 2h42 da madrugada do dia 26 de abril. Em princípio acreditou-se num meteoro. Mas, na realidade, tratava-se da reentrada na atmosfera do quarto estágio do foguete Próton K, lançado em 24 de abril de 2003, que colocou em órbita o satélite militar Kosmos 2397. A observação desse fenômeno agravou ainda mais a expectativa já existente com relação às ameaças de origem espacial que o anúncio da queda do satélite italiano Bepposax, de 1,4 tonelada, entre 29 de abril e 1.º de maio, no Norte do Brasil, talvez na Floresta Amazônica, vinha provocando. Com o efeito, os fragmentos do satélite italiano que sobreviverem à reentrada na atmosfera deverão cair numa faixa entre 4,36º ao Norte e ao Sul ao longo do Equador. Aliás, durante esses últimos três dias, três estágios superiores de dois foguetes russos e um norte-americano penetraram na atmosfera terrestre e um europeu deverá reentrar nos próximos dois dias.

Os detritos provenientes dos objetos lançados pelo homem no espaço, que circulam ao redor da Terra com a velocidade de cerca de 28.000 km/h, constituem o que se chama lixo espacial. São estágios completos de foguetes, satélites desativados, tanques de combustível e fragmentos de aparelhos que explodiram normalmente por acidente ou foram destruídos pela ação das armas anti-satélites.

E fácil imaginar os prejuízos causados por uma pequena bola, lançada à velocidade de 7 a 8 km/s; ela equivale a uma velocidade de impacto de uma caixa de 200 quilos lançada à velocidade de 100 km/h.

Nestes últimos 46 anos, desde o lançamento do primeiro satélite artificial soviético, o Sputnik, em 4 de outubro de 1957, cerca de 13 mil objetos produzidos pelo homem foram colocados em órbita ao redor da Terra. Até recentemente, existiam cerca de 8.500 fragmentos de mais de 10 centímetros (cujo impacto num satélite pode produzir a sua destruição total), 110.000 de 1 a 10 centímetros (que ao se chocar contra um satélite pode produzir um orifício) e 35.000.000 de microrresíduos de menos de 1 centímetro (cujo efeito será mínimo num satélite superficial).

A maior parte, cerca de 80%, desse lixo espacial encontra-se em órbita baixa entre 200 a 2.000 km de altitude. Esses são os que retornam mais rapidamente sobre a Terra de maneira incontrolada. Todos os dias restos espaciais caem sobre a Terra. Ao reentrarem na atmosfera eles se aquecem em virtude do seu atrito com as moléculas das camadas mais densas da atmosfera, desintegrando-se e, às vezes, pulverizando-se completamente. Em alguns casos, os fragmentos resistem e alcançam o solo terrestre, como foi o caso da estação Salyut de 40 toneladas, que caiu de modo descontrolado no oceano ao sul da Argentina e provocou muita apreensão no mundo até as últimas horas, pois não se era capaz de determinar o ponto do impacto, ao contrário da estação espacial russa Mir, cuja queda foi controlada. Em 1991, enormes fragmentos de 150 kg Salyut foram encontrados num raio de 1.000 km ao redor de Buenos Aires.

Estima-se que a quantidade desses detritos deverá quadruplicar nos próximos 20 anos. O mais preocupante é que somente sete mil deles possuem dimensões superiores a 20 cm, limite de visibilidade em um radar, abaixo dessa medida os objetos não podem ser detectados nas telas dos radares, apesar de se encontrarem numa região muito próxima à Terra.

Se lembrarmos que a freqüência normal de lançamentos de satélites é de 100 por ano, no próximo século a quantidade de detritos espaciais poderá se tornar uma ameaça às atividades humanas no espaço circunvizinho à Terra, bem como um elemento prejudicial às observações astronômicas na superfície terrestre.

Além do lixo espacial, a Terra é alvo de um bombardeio pesado composto por milhares de meteoros que diariamente penetram na atmosfera terrestre, de origem interplanetária, que somados podem ultrapassar 50 toneladas. Felizmente, graças à atmosfera terrestre, a maior parte se fragmenta em pedaços menores em virtude do seu atrito com as moléculas da atmosfera. Os maiores meteoros, ao atravessar os céus, provocam, clarões e explosões, deixando um rastro de luz em sua trajetória.

O risco de acidente realmente existe, mas é muito pequeno, enquanto o de uma catástrofe é ainda mais reduzida. As quedas de fragmentos de satélites são bem menos freqüentes do que as de meteoros.

Em geral, quatro meteoros de uma tonelada penetram todos os dias na atmosfera terrestre. A queda de meteoritos mais pesados não é rara. Assim, em 19 de maio de 1976, uma chuva de fragmentos atingiu 500 quilômetros quadrados do Nordeste da China. O maior destes fragmentos pesava quase duas toneladas (1.770 kg).

Em dois séculos, apenas sete pessoas foram atingidas por meteoritos e nenhum desses acidentes foi mortal. Apesar da freqüência dos meteoros – cerca de mais de 100.000 anualmente -, existe somente um caso registrado de uma vitima de quedas de meteorito. Em 1954, no Alabama, EUA, onde um meteorito de cerca de 4 quilos, após atravessar o telhado de uma casa, atingiu uma mulher ferindo-a seriamente na coxa.

Desde o lançamento do primeiro satélite artificial em 1957 até hoje não existe nenhum caso de ferimento provocado por queda de satélites. Esperamos que a afirmativa continue verdadeira. Felizmente parece que o lixo espacial ameaça muito mais os astronautas em suas naves do que os indivíduos que viajam na nave Terra, graças ao seu envoltório gasoso, a atmosfera, que consome grande parte dos fragmentos que poderiam cair na Terra.

Até hoje ninguém morreu atingido por lixo espacial, mas o perigo é preocupante.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, autor de mais de 65 livros. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com

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