Estado pagava mais a policial que matava no Rio

Foi durante os anos 90 que as polícias do Rio e de São Paulo começaram a trilhar caminhos opostos no combate à criminalidade. Enquanto os policiais paulistas envolvidos em casos de resistência seguida de morte eram afastados de suas funções, os policiais fluminenses recebiam gratificações quando matavam um suspeito. A política do enfrentamento e da execução, apontada por especialistas como responsável pelo alto número de ações policiais com mortes no Rio, ganhou força em 1991, com a publicação do decreto que criou o Batalhão de Operações Especiais (Bope).

No livro Elite da Tropa, um grito de guerra entoado por homens do Bope no quartel exemplifica a cultura vigente em setores da polícia do Rio: ‘Homem de preto, qual é a sua missão? É invadir favela e deixar corpo no chão’, diz a canção. ‘Há um senso comum de que a verdadeira justiça é com as próprias mãos, olho por olho, dente por dente’, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, secretário de Prevenção à Violência de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e um dos autores do livro.

‘É uma cultura (de execução) tão arraigada que em menos de 10 anos é impossível mudar isso’, emenda o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, também autor de Elite da Tropa. Para ele, reverter essa cultura é ação delicadíssima e dependerá de vontade política dos dirigentes, pois exigirá educação e treinamento dos policiais.

Apesar de se declarar contra as execuções e de ter se afastado da polícia do Estado em 2001 por discordância com muitas das suas ações, Pimentel disse compreender o que leva um policial a matar em ação. ‘Não gosto de justificar a execução, sempre critiquei, mas dá para entender o que se passa na cabeça de quem executa. São pessoas que, no dia-a-dia, não fariam isso, mas se sentem numa guerra’, acredita. Para ele, há hoje uma guerra entre bandidos e policiais no Rio.

Soares, que foi secretário nacional de Segurança em 2003 e também secretário estadual de Segurança do Rio, em 1999 e 2000, disse que, nos anos 90, os policiais fluminenses deixaram de aceitar a rendição de suspeitos, o que levou a uma guerra entre bandidos e a polícia que prossegue até hoje. Segundo o antropólogo, desde 2003, em cerca de 60% dos autos de resistência há ‘sinais claros’ de execução. Para ele, o senso comum, que não vê necessidade de ritos ou investigações nas ações de policiais envolvendo supostos bandidos, leva ao crescimento da violência.

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