Encontra-se no Congresso Nacional a Mensagem Presidencial 134/2009. Aprovada, pode se tornar decreto legislativo, instrumento congressual de introdução no direito brasileiro das normas dos tratados acordados pelo presidente, por ação do Itamaraty. No caso em apreço, trata-se de tratado entre o Brasil e o Vaticano, reconhecendo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como legítima representante do Estado do Vaticano no Brasil, para propiciar, por exemplo, currículos e professores para o ensino do catolicismo nas escolas públicas, sem necessidade do assunto tão importante ser apreciado novamente pelo Congresso, que representa o povo do Brasil, sejam eles católicos, protestantes, islâmicos, javeistas (ou da religião judaica), cristãos ortodoxos, espíritas (kardecistas e umbandistas), budistas, xintoístas, bramanistas ou mesmo agnósticos e ateus, que a Constituição assegura a todos os cidadãos igualdade de direitos e deveres, independentemente dos seus credos religiosos.
Lado outro, os templos de qualquer culto, e as instituições de educação e assistenciais religiosas são imunes aos impostos, desde que não remetam para o exterior seus lucros e os reapliquem integralmente no país, nos misteres educacional e assistencial, sejam lucros operacionais ou obtidos de fiéis ou de terceiros, pagadores ou doadores.
Caso contrário, são tributáveis. O que ressumbra disso tudo é o respeito do Estado brasileiro que é laico, ou seja, sem religião oficial por todos os credos, bem como a defesa da liberdade religiosa e sua proteção contra os oportunistas. Assim, não é incondicional a não-tributação dos templos de qualquer culto e de suas organizações voltadas à educação e à assistência social. Como corolário, podemos deduzir que o Estado brasileiro não pode ter religião oficial nem tampouco favorecer um credo em prejuízo dos demais, como impõe o princípio da igualdade.
Qualquer tratado, lei, decreto legislativo ou ato governamental, oriundos do Executivo ou do Legislativo, que desrespeitem o princípio da abstenção do Estado laico em face de os credos religiosos serem nulos ex radice, e, portanto, inconstitucionais, a sugerir a convocação do Supremo Tribunal Federal (STF) para resguardar a Constituição, da qual é responsável pela custódia.
O tratado entre o Vaticano e o Brasil oferta, ainda, um viés interessante. A única religião que tem um Estado é a católica: o Vaticano tem território, governo, banco, poder de polícia, emite passaportes eclesiásticos; é teocrático, religioso e tem chancelaria e embaixadores (os núncios), a poder celebrar tratados; é Estado politicamente soberano, como Andorra, Mônaco ou Luxemburgo, igualmente minúsculos territorialmente. É uma situação sem similar.
Não se parece com Israel, oficialmente um Estado judaico, mas que tolera outros credos, nem emparelha com a Turquia (85% da população é muçulmana), em que o Estado é radicalmente laico, desde Kamal Ataturk, aponto de proibir, como a França, a exibição em locais públicos e repartições do Estado de símbolos religiosos de quaisquer credos. O Vaticano tampouco se assemelha ao Irã, cujo governo é exercido pela hierarquia religiosa xiita (os aiatolás), que custo dia o primeiro-ministro. Mas no Irã, são toleradas, com restrições, outras religiões como a Bahá’i, tradicional credo da Pérsia.
O Congresso que tenha consciência do art. 19, inciso I, da Carta Magna: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (…)”.
O tratado com o Vaticano está a merecer divulgação para conhecimento do povo brasileiro, diz Bianor, budista, mas adepto do Estado laico. Em nome da igualdade de todos perante a lei, políticos e religiosos de qualquer matiz, direta ou indiretamente, estão proibidos de entrar ou obter do Estado democrático de direito, laico e republicano, concessões de rádio e televisão. Vejam os Sarneys e os Macedos. Qualquer um do povo pode ter rádio e televisão, menos os que formam consciências e captam vontades: partidos políticos e religiões.
Vou além, penso que em matéria de radiodifusão de imagens e sons, em vez de concessões e permissões, que deixam as concessionárias à mercê do poder político concedente veja-se o que está a ocorrer na Venezuela. Deveríamos adotar a liberdade de iniciativa sob a fiscalização das agências reguladoras. Haveria apenas uma proibição: políticos e religiosos não poderiam ser proprietários de mídia para a apologia de suas idéias. Podem ter acesso aos meios de informação, como todos; o que não podem é ser proprietários. Eis o Estado laico.
Sacha Calmon é professor titular de Direito Financeiro e Tributário da UFRJ e coordenador do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, de Belo Horizonte-MG.