Estado é condenado a pagar indenização à companheira e à filha de preso morto na PEP

 

O Estado do Paraná foi condenado a pagar R$ 60.000,00 reais, por dano moral, à companheira e à filha de um presidiário (S.A.S.), assassinado por outros presos, a golpes de marreta e pá, na Penitenciária Estadual de Piraquara, durante uma rebelião. O valor da indenização será dividido entre as autoras da ação.

A decisão também determinou que o Estado pague uma pensão mensal à filha da vítima, no valor correspondente a dois terços do salário-mínimo, até a data em que esta completar 25 anos, contrair núpcias ou estabelecer união estável ou vier a falecer.

Essa decisão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 3.ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Os julgadores de 2.º grau aumentaram a quantia referente ao dano moral, reduziram o valor da pensão e alteraram os termos inicial e final relativos ao pagamento da pensão.

Não obstante a alegação do Estado de que o ato (assassinato) foi praticado por terceiros (os presos), o relator do recurso de apelação, desembargador Francisco Rabello Filho, entendeu, na esteira da doutrina professada por Marçal Justen Filho, que, no caso, “não há falar em responsabilidade subjetiva do réu, razão pela qual eventual dever de indenizar, no caso presente, prescinde da configuração do elemento culpa”.

A propósito, advertiu o relator: “Não se pode olvidar, até mesmo em virtude do que estabelece o artigo 5.º, inciso XLIX, da Constituição Federal, que o Estado tem obrigação de zelar pela integridade física e moral dos presos“.

Disse mais: “Toca-lhe, por conseguinte, o dever de vigilância e proteção daqueles que se encontram sob sua custódia, garantindo-lhes condições básicas de sobrevivência, de modo que qualquer falha no cumprimento de seu dever implica em sua responsabilização pelos danos que venham a ocorrer, seja por ação ou omissão de seus agentes (do Estado), como anteriormente demonstrei”.

E concluiu: “No presente caso, houve evidente omissão estatal no cumprimento de seu dever de cuidado e vigilância em relação à vítima, uma vez que a morte somente ocorreu em virtude da ausência de zelo pelas pessoas que estavam sob a custódia do Estado”.

Os recursos de apelação

Tanto a parte autora quanto a parte ré recorreram da sentença.

A primeira alegou, em síntese, que: a) ao contrário do que entendeu o juíz da causa, a primeira autora, companheira do falecido, também tem direito ao pagamento da pensão mensal até que venha, ao menos, constituir nova família; b) a pensão mensal a que faz jus a segunda autora deve ser paga desde a data do falecimento de seu pai até a data em que ele completaria 70 anos de idade, ou alternativamente, desde a data do seu nascimento até a data em que ela completar 25 anos de idade; c) o valor arbitrado a título de pensão mensal é insuficiente para atender suas necessidades básicas; d) o valor da indenização por dano moral também é irrisório e deve ser majorado.

Por sua vez, o Estado do Paraná sustentou, em resumo, que: a) não estão presentes os requisitos configuradores do dever de indenizar; b) não pode ser responsabilizado pelo falecimento de Saneo Aparecido dos Santos, pois ele foi assassinado por outros presos que cumpriam pena na Penitenciária Estadual de Piraquara, durante uma rebelião iniciada no momento da retirada de outros presidiários; c) os agentes penitenciários não colaboraram para o assassinato de Saneo e tampouco tinham condições de evitar o evento, que aconteceu repentinamente; d) inexiste nexo de causalidade entre sua suposta conduta omissiva e os danos suportados pelas autoras em decorrência da morte de Saneo; e) o ato ilícito foi praticado exclusivamente por terceiro; f) a produção probatória revelou que não agiu com omissão na guarda e vigilância dos presos; g) os juros moratórios apenas podem fluir a partir do final do exercício seguinte à inscrição do precatório requisitório que será expedido, no orçamento estadual, conforme estabelece o art. 100, § 5º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009; h) o valor fixado a título de honorários advocatícios é excessivo, devendo ser reduzido.

O voto do relator

O relator do recurso de apelação, desembargador Francisco Rabello Filho, em substancioso e didático voto, após as considerações pertinentes aos pressupostos de admissibilidade recursal e à legitimidade ativa, passou a analisar a responsabilidade civil do Estado, consignando inicialmente: “Sustenta o réu que não lhe pode ser atribuído o dever de indenizar, na medida em que inexiste nexo de causalidade entre sua suposta conduta omissiva e os danos suportados pelas autoras em decorrência do falecimento de Saneo Aparecido dos Santos”.

Continuou o relator: “Pois bem. Como estamos diante de situação de conduta omissiva, é necessário verificar se a responsabilidade civil atribuída ao Estado do Paraná, no caso presente, é objetiva ou subjetiva”.

“Analisando o tema, expõe Marçal Justen Filho: ‘[…] Tradicionalmente, afirma-se que a responsabilidade civil do Estado por ato comissivo tem cunho objetivo, enquanto a responsabilidade por ato omissivo apresenta natureza subjetiva.

Essa tese é logicamente insustentável, e se afigura muito mais razoável afirmar que, em todos os casos, há um elemento subjetivo, mas subordinado a regime especial. Na atuação comissiva, o dever de diligência especial impõe ao agente a adoção de cautelas muito severas, visando precisamente a evitar a produção de lesão a terceiros. Portanto, quando a atuação comissiva do agente estatal produz o dano a terceiro, presume-se a presença de um elemento subjetivo defeituoso. O agente produziu o dano porque houve defeito na formação de sua vontade. Já na atuação omissiva, a situação é diversa e mais complexa. […]As hipóteses de dano derivado de omissão podem ser diferenciadas em dois grandes grupos. Existem os casos em que uma norma prevê o dever de atuação e a omissão corresponde à infração direta ao dever jurídico (ilícito omissivo próprio). E há os casos em que a norma proscreve certo resultado danoso, o qual vem a se consumar em virtude da ausência da adoção das cautelas necessária a tanto (ilícito omissivo impróprio)’.”

“Prossegue esse autor: ‘Os casos de ilícito omissivo próprio são equiparáveis aos atos comissivos, para efeito de responsabilidade civil do Estado. Assim, se uma norma estabelecer que é obrigatório o agente público praticar certa ação, a omissão configura atuação ilícita e gera a presunção de formação defeituosa da vontade. O agente omitiu a conduta obrigatória ou por atuar intencionalmente ou por formar defeituosamente sua própria vontade – a não se que a omissão tenha sido o resultado intencional da vontade orientada a produzir uma solução conforme ao direito e por ele autorizada. O grande problema são as hipóteses de ilícito omissivo impróprio, em que o sujeito não está obrigado a agir de modo determinado e específico. Nesses casos, a omissão do sujeito não gera presunção de infração ao dever de diligência. É imperioso, então, verificar concretamente se houve ou não infração ao dever de diligência especial que recai sobre os exercentes de função estatal. Se existiam elementos fáticos indicativos do risco de consumação de um dano, se a adoção de providências necessárias e suficientes para impedir esse dano era da competência do agente, se o atendimento ao dever de diligência teria conduzido ao impedimento da adoção das condutas aptas a gerar o dano – então, estão presentes os pressupostos da responsabilização civil. Essa concepção conduz à responsabilização civil do Estado em questões de fiscalização institucional e permanente, sempre que o exercício ordinário das competências de acompanhamento dos fatos permitisse inferir a probabilidade de resultado danoso a terceiro’.”     

“Mais adiante, conclui: ‘Portanto, o tratamento jurídico dos atos omissivos e comissivos é único e equivalente. A responsabilização civil dependerá da infração de um dever jurídico de diligência. Essa infração se presumirá reprovável, uma vez que o dever jurídico de diligência, imposto ao estado, importa a objetivação do elemento subjetivo da conduta. O agente tem o dever funcional de conhecer seus deveres, de prever as consequências da infração a eles e de arcar com as consequências. A infração a esse dever importa elemento subjetivo reprovável’.”

“Não há falar, portanto, em responsabilidade subjetiva do réu, razão pela qual eventual dever de indenizar, no caso presente, prescinde da configuração do elemento culpa.”

“O excurso que ora faço tem, então, esta finalidade: resumir que para configuração do dever de indenizar devem estar presentes três elementos: (i) ocorrência de dano, moral ou material, sofrido por alguém; (ii) conduta  antijurídica; (iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano.”

“A análise do caso revela que estão presentes os elementos configuradores do dever de indenizar. Explico:”

“É incontestável a ocorrência dos danos suportado pelas autoras diante da morte trágica de seu companheiro/pai.”

“Note-se que nem mesmo é possível cogitar-se que o passamento de um companheiro e pai não tenha o condão de abalar moral, profunda, imensa e duradouramente sua convivente e filha.”

“Além disso, também está presente a conduta antijurídica que enseja o dever de indenizar.”

“Denota-se do conjunto probatório que Saneo Aparecido da Silva, companheiro/pai das autoras foi assassinado em 28/11/2003, dentro da Penitenciária Estadual de Piraquara, onde cumpria pena.”

“Conforme se observa do ofício encaminhado pelo diretor da Penitenciária Estadual de Piraquara ao Ministério Público (fs. 85-86), no dia do evento, os agentes de disciplina procediam à retirada do detento Marcelo Amorim Cardozo para conduzi-lo a uma audiência.”

“Em determinado momento, o mencionado detento acabou rendendo os agentes de disciplina com […]uma pistola feita da tampa de um isopor de marmitex, e aparentemente com um também pequeno estoque […]’ (f. 85), e libertando os demais presos alojados na galeria 23, dando ensejo a uma rebelião, durante a qual os próprios presidiários acabaram assassinando dois outros detentos, dentre eles Saneo Aparecido dos Santos.”

“A certidão de óbito de Saneo Aparecido dos Santos aponta como ‘[…] causa da morte: a) Lesões craneoencefálicas; b) Ação contundente’ (f. 90), o que corrobora a afirmação da parte autora, no sentido de que a vítima foi morta mediante golpes de marreta e pá.”

“Não se pode olvidar, até mesmo em virtude do que estabelece o artigo 5.º, inciso XLIX, da Constituição Federal, que o Estado tem obrigação de zelar pela integridade física e moral dos presos.”

“Toca-lhe, por conseguinte, o dever de vigilância e proteção daqueles que se encontram sob sua custódia, garantindo-lhes condições básicas de sobrevivência, de modo que qualquer falha no cumprimento de seu dever implica em sua responsabilização pelos danos que venham a ocorrer, seja por ação ou omissão de seus agentes (do Estado), como anteriormente demonstrei.”

“No presente caso, houve evidente omissão estatal no cumprimento de seu dever de cuidado e vigilância em relação à vítima, uma vez que a morte somente ocorreu em virtude da ausência de zelo pelas pessoas que estavam sob a custódia do Estado.”

“Não pode ser aceitável que o fato tenha ocorrido no interior de um estabelecimento prisional, à mais completa revelia dos agentes estatais, cujo dever, no que aqui importa imediatamente, é velar pela integridade física e moral dos presos.”

“Para atendimento do mencionado direito fundamental dos presos (CF, art. 5.°, inc. XLIX), o Estado tem o dever (fundamental) de disponibilizar instalações devidamente seguras, com vigilância contínua, além de espaço adequado e apropriado para a segregação dos detentos.”

“Dessa forma, a displicência estatal para com os presos resultou na morte da vítima, restando plenamente demonstrada a conduta antijurídica por parte do Estado, que tinha o dever objetivo de cuidado.

“Note-se que a rebelião somente ocorreu por falha atribuível ao próprio Estado; afinal, a ele incumbe o dever de manter a disciplina, ordem e segurança nas penitenciárias. Por aí, ao contrário do que tenta fazer crer o réu, evidente que o fato de a vítima ter sido assassinada no momento de uma rebelião, ainda que por outros presos, não tem o condão de afastar o ato ilícito por ele praticado.”

“Ademais, não se pode deslembrar que os outros presidiários que atentaram contra a vida do falecido também estavam sob a custódia do Estado, de modo que a ele incumbia o dever de vigilância do ambiente carcerário.”

“Por outro giro verbal e como bem ponderou o digno juiz da causa, ‘[…] o Poder Público, não pode simplesmente alegar a sublevação de um grupo de presos como fator invencível, mormente quando os presos encontravam-se sob guarda e proteção carcerária’ (f. 223).”

“Não há, então, como refugir desta verdade: o réu agiu de forma totalmente negligente, faltando com o dever de cuidado e vigilância que lhe competia.”

“Do mesmo modo, não há dúvida quanto ao nexo causal, uma vez que a falta de vigilância, cuidado objetivo e cautela do réu, consistente em não velar pela integridade física e moral de seus detentos, proporcionaram a morte da vítima, causando danos de cunho material e moral às autoras.”

“Registre-se que o fato de a vítima ter sido assassinada por outros detentos e não por agentes públicos, não tem o condão de afastar o aludido liame de causalidade entre os danos suportados pela parte autora e o falecimento da vítima.”

“É que a partir do momento em que o Estado segrega determinada pessoa, colocando-a sob sua custódia, tem o dever de manter sua integridade física e moral, protegendo-a de eventuais agressões praticadas tanto por seus agentes públicos, quanto pelas demais pessoas que se encontrem dentro do estabelecimento prisional, sejam elas funcionários, visitantes ou presidiários.”

“Passando-se assim, presentes os elementos para a configuração da responsabilidade civil do Estado do Paraná, conclui-se que está presente o dever de indenizar, como corretamente reconheceu o digno juiz da causa.”

No que diz respeito ao valor da indenização por dano moral, ponderou o relator:

“As autoras reputam que o valor fixado a título de dano moral é irrisório, postulando sua majoração”.

“No âmbito do valor da indenização por dano moral, é resumir que o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema aberto, ou seja, não tarifado. Assim, o arbitramento de indenização por dano moral fica a critério (motivado) do magistrado, que deverá sopesar as circunstâncias e a gravidade do fato, a situação econômica e financeira das partes, cuidando para não fixar valor exagerado, de modo a não proporcionar enriquecimento sem causa, nem irrisório, que nada represente à parte que ocasionou o dano.”

“Desse modo, ao se quantificar indenização fundada em dano moral, é curial atentar-se para o fato de que não se deve, com a condenação, gerar outra iniquidade além da que lhe deu azo, tampouco enriquecer, com o episódio, a vítima, já que o escopo aqui não é conceder-lhe um plus, mas sim reparar-lhe um minus de natureza moral.”

“Também não se pode permitir que a gravidade do episódio, verificada caso a caso, seja subestimada, aplicando-se condenação ínfima a ponto de não se prestar a punir a conduta da parte ré, e, ao mesmo tempo, apaziguar a dor moral da parte autora.”

“Portanto, diante do ocorrido, considerando o dano provocado, que acarretou na morte do companheiro/pai das autoras e todos os desdobramentos daí advindos, levando-se em conta ainda o porte econômico das partes e os parâmetros da experiência, da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo ser justa a majoração do valor fixado em primeiro grau (R$ 25.000,00 para cada um das autoras, totalizando R$ 50.000,00), revelando-se razoável o valor de R$ 60.000,00 para ambas as autoras (R$ 30.000,00 para cada uma).”

Quanto à pensão alimentícia mensal devida à companheira da vítima, assinalou o relator:

“Defendem as autoras-apelantes que, ao contrário do que entendeu o digno juiz da causa, a primeira autora, companheira do falecido, também faz jus ao pagamento de pensão mensal. Sem razão, contudo.”

“De fato, no caso específico dos autos, como bem reconheceu a sentença, é de todo indevido o pensionamento à companheira da vítima, uma vez que o conjunto probatório evidencia que ela (vítima) não contribuía econômico-materialmente para o sustento dessa autora.”

“Isso porque, consoante se extrai do caderno processual, a segunda autora apenas conheceu a vítima quando ela já se encontrava presa, cumprindo pena na Penitenciária Estadual de Piraquara, o que demonstra a ausência de dependência econômica dessa autora em relação à vítima.”

“A propósito, a própria autora afirmou em Juízo ‘[…] Que era amásia de Saneo; Que o conheceu quando ele já estava preso na penitenciária […]’ (f. 167).”

“Assim, como o relacionamento amoroso existente entre a vítima e sua companheira somente se iniciou quando a vítima já estava reclusa na penitenciária, forçoso reconhecer que a segunda autora não era sustentada pela vítima e tampouco havia colaboração dela para a assistência familiar.”

“Em outras palavras: dada a circunstância fática do caso presente, não há como se possa presumir a dependência econômica da primeira autora em relação ao falecido, sendo, portanto, descabido o propósito de ser pensionada pelo Estado em virtude da morte de seu companheiro.”

No que se refere à pensão mensal devida à filha da vítima, registrou o relator:

“O digno juiz da causa condenou o réu ao pagamento de pensão mensal à primeira autora (filha da vítima), a partir do trânsito em julgado da sentença até que a menor atinja a maioridade civil, no valor de um salário mínimo mensal.”

“Sustentam as autoras que a pensão mensal a que faz jus a segunda autora deve ser paga desde a data do falecimento de seu pai, até a data em que ele completaria 70 anos de idade, ou alternativamente, desde a data do seu nascimento até a data em que ela complete 25 anos de idade.”

“Defendem ainda que o valor arbitrado a tal título é insuficiente para atender às suas necessidades básicas, devendo ser majorado.”

“Pois bem. Quanto ao termo inicial da pensão mensal devida a filha do falecido, merece reforma a sentença.”

“É que, como consolidado pela jurisprudência, e até mesmo em razão de sua natureza, a pensão alimentícia é devida desde a data do evento danoso, e não desde o trânsito em julgado da sentença que a arbitra.”

“Nem se diga que o fato de a segunda autora (filha do falecido) somente ter nascido depois do falecimento de seu pai é suficiente para afastar a data do evento danoso (óbito da vítima) como termo inicial do pensionamento a que faz jus.”

“É que conforme estatui o artigo 2.º do Código Civil, ‘A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro’.”

“Por aí, certo que a segunda autora, nascitura à época do falecimento de seu pai, faz jus a pensão mensal desde aquela data.”

“Por outro lado, quanto ao termo final, não há como se considerar justo que a pensão mensal seja paga apenas até quando a beneficiária (filha da vítima) atinja a maioridade civil.”

“Como ressabido é, nos dias atuais, a maioridade civil, por si só, não afasta o vínculo de dependência econômica existente entre os filhos e seus pais. Ou como bem ressaltou o digno procurador de justiça Francisco Gmyterco, ‘[…] a maioridade civil, em regra, não liberta os filhos da dependência econômica dos pais, haja vista a dificuldade de obtenção do primeiro emprego, bem como do próprio acesso ao ensino superior’ (f. 290).”

“Nesse rumo, o estabelecimento de pensão mensal alimentícia devida aos filhos da vítima deve levar em conta a idade provável em que os beneficiários constituirão suas próprias famílias, concluirão os estudos e proverão seu próprio sustento, o que geralmente se dá aos 25 anos de idade, conforme entendimento consagrado pela jurisprudência.”

“Desse modo, não há como falar que tal pensionamento se estenda até a data em que o pai da segunda autora completaria 70 anos de idade, até mesmo porque a dependência financeira dos descendentes, em regra, não se estende até a expectativa de vida de seus genitores.”

“Daí porque deverá o réu pagar à segunda autora pensão desde a data do evento danoso, até quando ela (i) completar 25 anos, (ii) contrair núpcias ou estabelecer união estável ou (iii) vier a falecer, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente, pela média do INPC e IGP-DI, desde o presente arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir de quando cada parcela deveria ter sido adimplida, até o advento da Lei n.° 11.960, de 30/6/2009, a partir de quando correrão na forma ali estabelecida.”

“Já quanto à pretensão de majoração do valor arbitrado a título de pensão mensal, melhor sorte não assiste às autoras. O contrario é que se dá, na medida em que em sede de reexame necessário tal valor merece redução. Explico:”

“No presente caso, não só inexiste comprovação da renda mensal da vítima, como se tem certeza de que ela, ao menos quando de seu óbito, não exercia atividade remunerada, já que, como exaustivamente dito acima, ela encontrava-se presa.”

“Com isso, o valor da pensão por morte (de vítima que não exercia atividade remunerada, como é o caso dos autos) deve ser fixado com base no salário mínimo, descontando-se dele, contudo, o montante que seria utilizado para benefício próprio.”

“Nesse rumo, é justo concluir que ao menos 1/3 do valor recebido seria destinado às despesas pessoais do falecido; logo, a segunda autora faz jus ao recebimento da parte restante, correspondente a 2/3.”

“Daí porque o valor da pensão mensal deve ser reduzido para o equivalente a 2/3 do salário mínimo vigente, devendo ser pago à filha da vítima desde a data do falecimento de Saneo Aparecido dos Santos até a data em que completar 25 anos.”

No que concerne à atualização da condenação relativa ao dano moral, discorreu o relator:

“Afirma o réu que o termo inicial dos juros de mora fixado na sentença está equivocado, pois eles apenas podem fluir a partir do final do exercício seguinte à inscrição do precatório requisitório no orçamento estadual, conforme estabelece o artigo 100, parágrafo 5.º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 62/2009.”

“É preciso notar, contudo, que o digno juiz da causa nada disse a respeito do termo inicial dos juros de mora, embora tenha determinado a observância do disposto no artigo 1.º-F da Lei n.º 9.494/1997, com redação dada pela Lei n.º 11.960/2009.”

“Assim, o recurso de apelação nesse ponto sequer merecia ser conhecido, mas como se está diante de sentença que comporta reexame necessário, passa-se, então, a sanar tal vício para completa prestação jurisdicional.”

“Inicialmente cumpre registrar que a pretensão do réu de que o termo para contagem dos juros de mora seja o primeiro dia seguinte àquele em que o precatório deveria ser pago, não merece prosperar.”

“Isso porque se está diante de responsabilidade civil extracontratual. Com o ilícito nasce, de imediato, a obrigação de ressarcimento pelo causador do ato. Dessa maneira, desde o evento danoso surge a mora, correndo os juros respectivos (de mora), por conseguinte, desde então.”

“Esse é entendimento já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça com a súmula n.º 54, que tem o seguinte teor: ‘Súmula 54. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual’.”

“Destarte, os juros de mora devem fluir desde o evento danoso.”

“Registre-se que embora a Lei n.º 11.960/2009 (aplicada pelo digno juiz da causa) só tenha entrado em vigor em 30 de junho de 2009, de modo que o período anterior a sua vigência não possa, em regra, sofrer sua incidência (tempus regit actum), ante o princípio da vedação de reformatio in peius, não há como afastar, para o período anterior a 30/6/2009, a incidência dessa norma ao caso presente, seja no que diz respeito à correção monetária, seja em relação aos juros de mora.”

“É que tal alteração prejudicaria o Estado do Paraná, na medida em que outros índices de correção, diversos dos “índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança” certamente são mais severos.”

Relativamente aos honorários advocatícios, ponderou o relator:

“Estima o réu ser excessiva a fixação dos honorários advocatícios em R$ 8.000,00 (mil reais). Assiste-lhe razão.”

“Nas causas em que é vencida a Fazenda Pública, a verba honorária é fixada com base no artigo 20, parágrafo 4.º, do Código de Processo Civil, de modo que não fica adstrita aos limites mínimos e máximos previstos no parágrafo 3.º do referido dispositivo.”

“Para além disso, deve atentar-se para o fato de que não há complexidade digna de nota permeando a causa; a atividade probatória limitou-se à produção de prova oral e documental. Sendo assim, o valor de R$ 8.000,00 mostra-se exagerado, de modo que o equivalente a R$ 3.000,00 é imposição sucumbencial mais adequada ao (bom) trabalho profissional realizado e atende aos princípios da equidade, da razoabilidade, bem como da justa remuneração do trabalho profissional.”

“Não se pode perder de vista que a verba honorária não pode ser estabelecida em cifra vultosa, ressabido como também é que não pode ser estabelecida em cifra aviltante, ofensiva à própria dignidade profissional do advogado e ao princípio da justa remuneração do trabalho profissional (STJ: REsp 147346-PR, Asfor; REsp 388542-MS, Direito; REsp 277176-DF, Franciulli; REsp 671777-PR, Uyeda; REsp 552994-PE, Noronha. TJPR: AC 541495-5, Dimas; AC 535519-3, Prazeres; AC 538166-4, Habith; AC 531316-6, Vasconcelos; AC 528268-0, Cecconi; AC 465708-7, Rodrigues; AC 318160-2, Hayton; AC 404999-6, Rabello).”

“Por fim, importante registrar que o resultado do julgamento não implica em redistribuição dos ônus de sucumbência fixados na sentença, uma vez que embora tenha havido ampliação do lapso do pensionamento devido à segunda autora, houve redução do valor arbitrado a título de pensão mensal, devendo, por conseguinte, ser mantido a proporção já arbitrada.”

“Passando-se as coisas dessa maneira, meu voto é no sentido de que: i) se parcial provimento ao recurso da parte autora, para o fim de se: i.i) majorar o valor da indenização pelo dano moral para R$ 60.000,00, a ser dividido igualitariamente entre as autoras; i.ii) determinar que a pensão mensal devida à segunda autora seja paga desde a data do evento danoso, até quando ela completar 25 anos, contrair  núpcias ou estabelecer união estável ou vier a falecer, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente, pela média do INPC e IGP-DI, desde o presente arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir de quando cada parcela deveria ter sido adimplida, até o advento da Lei n.° 11.960, de 30/6/2009, a partir de quando correrão na forma ali estabelecida; ii) se dê parcial provimento ao recurso da parte ré, para o fim de reduzir-se o valor fixado a título de honorários advocatícios, em seu desfavor, para o importe de R$ 3.000,00; iii) em reexame necessário, seja a sentença parcialmente reformada, para o fim de reduzir-se o valor do pensionamento para 2/3 do salário mínimo, bem como determinar que os juros de mora em relação ao pagamento de indenização por dano moral fluam a partir do evento danoso.”

O julgamento foi presidido pelo desembargador Paulo Habith (sem voto), e de participaram o desembargador Ruy Francisco Thomaz e o juiz substituto em 2.º grau Espedito Reis do Amaral. Ambos acompanharam o voto do relator.

(Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 809691-3)

Nota do Redator: O tópico “O voto do relator” não contém a íntegra da decisão. Apenas os principais fundamentos são transcritos.

(Fonte: TJ PR)

 

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