Cândido Furtado Maia Neto

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No Estado Moderno ou no Direito Penal Democrático Contemporâneo encontramos o sistema de garantias individuais. Os poderes estatais possuem limites nas atuações das autoridades públicas, o que implica em respeito e reconhecimento aos direitos indisponíveis individuais, em outras palavras, a efetivação constitucional que estabelece as cláusulas pétreas.

Temos visto muita confusão conceitual quando na doutrina se apresentam propostas de política criminal e penitenciária, com definições adversas, a exemplo daquelas linhas e modelos de Estado Oriental (absoluto e teocrático), Estado Grego (liberdade cidadã com exclusão às classes mais desfavorecidas), Estado Romano (que destaca a soberania do Estado e não dos direitos fundamentais da cidadania), e Estado Feudal ou Medieval (na sua complexa relação de hierarquia de poder político, social e econômico).

O Estado Democratico de Direito foi instituído no Brasil, na Constituição de 1988, tendo como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art 1.º, caput, inc. II e III), e como objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, para a promoção do bem de todos sem qualquer preconceito e discriminação (art. 3.º, inc. I e IV), posto que homens e mulheres, nacionais e estrangeiros são iguais perante a lei penal (art. 5.º caput) que deve reger-se no âmbito interno e internacional pelo princípio da prevalência dos Direitos Humanos (art. 4.º, inc. II).

Expressa artigo 5.º da Carta Nagna: ?ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei? (inc. II); ?ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante? (inc. III); ?são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas? (inc. X); ?a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito? (inc. XXV); ?a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais? (inc. XLI); ?aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geralsão assegurados o contraditório e a ampla defesa? (inc. LV).

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?As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata? (§ 1.º, art. 5.º CF). São cláusulas pétreas, razão pela qual não estão sujeitas a modificação, exclusão ou restrição (§ 4.º inc. IV art. 60 CF).

Cláusula pétrea, por sua vez, significa artigo ou disposição legal que deve ser cumprida obrigatoriamente, que não permite renúncia ou inaplicabilidade, por estar petrificada, dura, imóvel, por ser inquebrável e intocável.

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Por sua vez, a lei penal formal pátria em vigora em todo território nacional ressalvados os tratados, convenções e regras de direito internacional (inc. I, art. 1.º CPP) e admitindo-se interpretação extensiva – somente em beneficio do acusado -, aplicação analógica – in bonam partem -, bem como o complemento dos princípios gerais de direito – que regem o Estado Democrático (art. 3.º CPP).

Em respeito ao princípio da soberarina e validade hierarquica das normas, pode-se afirmar técnicamente que a Constituição Federal de 1988, adotou o sistema acusatório-democrático na justiça criminal, restando derrogado o modelo investigatório-processual inquitivo.

Vejamos a diferenciação entre o modelo acusatório e inquisitivo, no quadro comparativo abaixo:

O interesse individual não se encontra, em momento algum, em ?jogo? ou na ?balança?, possui peso próprio e maior Ao se dar valor desmesurado aos interesses sociais ou do Estado como superlativo ao interesse individual, todos os cidadãos encontrar-se-ão em sério risco e o sistema legal estará profundamente abalado, para não dizer, destruído ou aniquilado.

In dúbio pro societat ou processo penal garantista (Ver artigo de Ana Cláudia Bastos de Pinho, Promotora de Justiça do Estado do Pará, publicado in www.ampep.com.br), onde transcreve nosso pensamento: ?Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se (em respeito ao princípio in dubio pro reo), e nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se (em base ao in dubio pro societate). As garantias individuais são direitos concretos que prevalecem ante as abstrações (in dubio pro societate), estas servem ao direito autoritário, aos regimes antidemocráticos ou aos governos ditatoriais. Não se pode permitir que nos regimes democráticos as abstrações ?em nome da sociedade? venham destruir o sistema jurídico humanitário positivo, para dar lugar a um odioso direito repressivo, onde o Estado condena e acusa sem provas concretas? (Maia Neto, Cândido Furtado, in ?O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos?; ed. Juruá, Curitiba-PR, 2000).

O Ministério Público e o Poder Judiciário, são guardiões dos direitos fundamentais dos cidadãos, como instituição independente e poder estatal autônomo, por tal razão, para autorizar gravações telefônicas sigilosas, não deve, em nenhum instante, o magistrado ficar alheio ou desconhecer imprescindíveis informações, especialmente por serem aquelas que tramitam em processo sob segredo de justiça. A objetividade e a transparência total da prova é obrigatória, em nome da preservação dos direitos constitucionais da cidadania em geral (do cidadão investigado, acusado ou processado) visando a efetivação e manutenção do Estado de Direito.

Algumas teorias penais encontram-se a serviço do abuso de poder, servindo para legitimar o arbítrio estatal, como por exemplo o ?direito penal espansionista?, a ?sociedade de risco?, e o ?direito penal do inimigo?, adaptando-se a doutrina da ?segurança pública? ou da ?segurança cidadã?, com discursos ultrapassados tentado justiticar a funcionalidade do sistema repressivo, muitas vezes ilógico e irracional, repleto de mitos e ficções.

Somente com a correta aplicação e interpretação das normas à luz da principiologia e dos Direitos Humanos Fundamentais, se poderá alcançar a tão almejada e necessária segurança jurídica, como base para a melhor e mais adequada prestação jurisdicional, onde todo poder emana do povo e em seu nome deverá ser, obrigatoriamente exercido, posto que sem o devido respeito às garantias constitucionais individuais não há que se falar em Estado Democrático ou em Estado Constitucional; do contrário e infelizmente estaremos vivendo no Estado de Polícia.

Cândido Furtado Maia Neto é promotor de Justiça de Foz do Iguaçu – Ministério Público do Estado do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Ex-secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação. Membro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br