Muito embora se ouça muito falar sobre a estabilidade no emprego garantida às empregadas gestantes, pouco sabe como funciona essa garantia trabalhista. Por esse motivo se faz necessário tecer algumas considerações acerca de tão importante direito, em tempos em que ele está sendo ampliado.
A ampliação referida, no entanto, não diz respeito direta e especificamente à estabilidade da gestante, e sim à licença-maternidade. Essa licença é garantida às empregadas grávidas e mães recentes. Todavia, a extensão da estabilidade deve ser medida, em certos casos, de acordo com a da licença.
A estabilidade conferida por lei à gestante se inicia com a confirmação da gravidez e termina cinco meses após o parto, de acordo com o artigo 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988.
A estabilidade no emprego garante à gestante o direito de ela não ser dispensada sem justa causa. Caso o empregador opte por dispensar imotivadamente a empregada estável, ela deverá ser reintegrada no emprego ou, caso essa reintegração se torne inviável ou impossível, deverá receber uma indenização correspondente aos salários e demais benefícios aos quais faria jus até o fim do período estabilitário.
Já a licença-maternidade, de acordo com o art. 7º, XVIII, da Constituição federal, é de 120 dias, podendo ser concedida a partir do 8º mês de gestação. A licença é conferida para que a gestante possa repousar durante os últimos dias de sua gestação, preparar-se para o parto, bem como para que possa amamentar o bebê recém-nascido.
Ocorre que esse período de 120 dias da licença-maternidade é bem inferior ao período tido como ideal pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para que as crianças sejam amamentadas, que é de, no mínimo, 180 dias. A amamentação regular durante esse período previne significativamente doenças como pneumonia, anemia e desnutrição infantil.
A fim de que essa recomendação da OMS fosse observada pelo empresariado, foi sancionada, em 2008, a Lei nº 11.770/08. Esta lei é a concretização do projeto “Empresa Cidadã”, que busca incentivar as empresas do setor privado a garantirem a extensão da licença-maternidade de suas empregadas, passando de 120 para 180 dias de afastamento do emprego.
Contudo, como observado, a lei busca somente incentivar as empresas a aderirem ao programa. Não é uma imposição. E esse incentivo se dá em forma de benefício fiscal, uma vez que o período de prorrogação, ou seja, os 60 dias a mais da licença que serão pagos pelo empregador, e não pelo INSS, serão descontados do Imposto de Renda da pessoa jurídica.
Assim, os primeiros 120 dias continuam sendo pagos pelo INSS e os 60 dias a mais serão pagos pelo empregador, que terá esse valor descontado de seu Imposto de Renda. Não há que se falar, portanto, em aumento de gastos para os empregadores.
A questão é que a lei não fala sobre como ficará o período de estabilidade da gestante no caso de prorrogação de sua licença-maternidade, e isso traz certa insegurança jurídica, uma vez que abre espaço para que haja o entendimento de que, no caso concreto, uma empregada ainda de licença possa ser dispensada imotivadamente, o que, por óbvio, seria um absurdo.
Veja a situação, por exemplo, de uma empregada que tenha sua licença de 180 dias concedida uma semana antes de ela dar à luz. Nesse caso, sua estabilidade de cinco meses após o parto só duraria, a priori, até 22 dias antes do fim de sua licença. O questionamento que se faz é: ela poderia, então, ser dispensada imotivadamente durante esse período compreendido entre o fim do prazo de cinco meses da estabilidade e os 22 dias finais de sua licença?
A resposta, de acordo com o raciocínio lógico-jurídico que deve permear o Direito (protecionista) do Trabalho, bem como o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador das normas desse ramo do direito, e, também, de acordo o princípio da função social da empresa, não pode ser outra se não a de que “não”. Isso porque ela não pode ser dispensada em razão da elasticidade de sua estabilidade, decorrente da prorrogação de sua licença-maternidade.
Entendimento diverso faria cair por terra a conquista ainda tímida de se colocar a saúde, o bem estar da criança, e a segurança familiar envolvidos pelo manto protetor do Direito do Trabalho e do princípio da função social da empresa.
Importante ressaltar que a medida, hoje ainda tímida, está se desinibindo, e sua essência já tomou até forma de PEC (Projeto de Emenda à Constituição): a de nº 64. Tal proposta já está em tramitação no Congresso Nacional e prevê a adesão obrigatória das empresas ao hoje chamado projeto empresa cidadã. Em breve, talvez o incentivo se torne imposição.
João Filipe Sampaio é membro do escritório Furtado, Pragmácio Filho e Advogados Associados -joao.filipe@furtadopragmacio.com.br