Indígenas bolivianos, guerrilheiros colombianos, ativistas guatemaltecos e intelectuais brasileiros de esquerda, inclusive aqueles que criticam o regime de Cuba, cerraram fileiras em torno do enfermo presidente Fidel Castro, ícone vivo das lutas sociais durante décadas no continente latino-americano. Centenas de mensagens procedentes de todas as latitudes continentais, visitas de delegações estrangeiras e expressões a favor do governante comunista tiveram Havana como destino nos últimos dias.
Para o presidente boliviano, Evo Morales, o líder cubano é um "irmão mais velho"; para o venezuelano Hugo Chávez, é "o camarada"; e para Aleida Guevara, filha do legendário guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara, trata-se de "um pai".
"Há muito afeto político envolvendo Fidel Castro pela forte imagem que ele tem como líder das esquerdas na América Latina", disse o historiador cubano residente no México Rafael Rojas.
Para muitos, Fidel representa também a figura capaz de confrontar Washington, rechaçar seu modelo e de morrer pela causa. Com sua famosa barba, seu uniforme verde-oliva e seus discursos acalorados, Fidel se transformou na referência das lutas sociais desde 1959, quando liderou a luta que impôs a derrota ao ditador Fulgencio Batista e fincou um governo comunista a 140 quilômetros da costa dos Estados Unidos.
"Venho expressar minha solidariedade a Fidel, a Raúl e ao povo de Cuba", disse o líder sandinista e ex-presidente nicaragüense Daniel Ortega, que viajou à ilha para se inteirar pessoalmente do estado de saúde de Fidel.
Num inesperado anúncio em 31 de julho, o líder comunista delegou temporariamente o poder ao irmão Raúl, devido a uma cirurgia intestinal. "Esperamos que supere (a doença) satisfatoriamente", comentou a guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) por meio de um comunicado.
No final dos anos 90, Fidel reconheceu que seu governo havia colaborado com os movimentos armados latino-americanos, como na Guatemala, El Salvador, Argentina e Chile. Armamentos, financiamento ou retaguarda foram ofertados pelos cubanos, e a ilha foi refúgio para milhares de vítimas das ditaduras do Cone Sul.
Por outro lado, os líderes cubano-americanos expressaram sua enorme felicidade nas ruas de Miami devido à doença de Fidel, mas a administração de George W. Bush se mostrou cautelosa diante da ausência, mesmo que temporária, do líder comunista.
No entanto, alguns em Miami – inclusive críticos do modelo cubano – temem que Washington possa usar a atual conjuntura para retirar de sua garganta a espinha de quase cinco décadas de uma Cuba comunista. "Parte desta esquerda, o setor dos intelectuais, emitiu uma declaração de preocupação de que o governo dos Estados Unidos se aproveite desta situação para intervir militarmente em Cuba e violar sua soberania", comentou Andrés Gómez, ativista de grupos de exilados cubanos na Flórida.
Gómez se referia assim a uma declaração assinada por centenas de personalidades (entre elas muitos brasileiros), exigindo respeito a Cuba, caso contrário, poderia haver uma ameaça contra a segurança de toda a América Latina, segundo os missivistas.
De olho no futuro, a doença de Fidel, segundo Gómez, carregaria uma lição: "demonstra para a esquerda e o povo cubano que as instituições têm a solidez e a confiança para se conseguir uma mudança institucional de comando", sem entrar no caos.