Se dependia de algum sinal especial para ter a certeza de que há razão no sentimento nacional de traição ao povo, o governo do presidente Lula encontrou-o na manifestação de um antigo aliado de muitas lutas – a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que há dez anos organiza, sempre em 7 de setembro, o Grito dos Excluídos. Em vez de celebrar a esperança, o grito deste ano lamenta o desaponto. “O Grito dos Excluídos não é de revolta – disse o presidente da Comissão para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da Conferência, dom Aldo Pagotto – mas de uma profunda dor, gerada por expectativas frustradas”… pelas esperanças despertadas em campanha.
Até aqui, segundo o prelado, que é arcebispo da Paraíba, as reformas feitas pelo governo “não passam de políticas de compensação, agradando mais às elites”. O que a Igreja deseja, insiste ele, “são propostas concretas para fazer o Brasil voltar a crescer”. Ou seja, cobra-se o espetáculo do crescimento, tantas vezes prometido, mas, contrariando a propaganda oficial, ainda não iniciado. Desempregados, aposentados e religiosos chegaram à conclusão, durante a romaria, que “não adianta só rezar; temos que protestar”. Outro bispo – dom Demétrio Valentini, de Jales, no interior de São Paulo – também se ocupando do tema, escreveu que “o Grito expressa a urgência de iniciativas diante da gravidade da situação dos excluídos”.
Uma gravidade que, pelo menos aparentemente, não preocupa o presidente Lula. Para ele, o Brasil e os brasileiros têm razões de sobra para comemorar com um grande sorriso o Dia da Independência – coincidente com o dia do Grito dos Excluídos por vontade antiga do PT. O momento, segundo Lula, é de elevada auto-estima da população brasileira e de crescimento sustentável da economia. É preciso, conforme ensinou, ter em mente que não basta ter independência constitucional. Mas é necessário também ter independência econômica, tecnológica e científica. E “isso nós estamos provando, com o crescimento das exportações e a geração de empregos, com o crescimento da economia. Estamos caminhando para a independência política, econômica e social”.
Ou a CNBB ficou marcando passo no discurso antigo, ou Lula está inebriado no poder. Ambos parecem viver em mundos diferentes, tão contrastante é a concepção de um e de outro acerca do momento em que vivemos. A auto-estima em alta de um exclui as expectativas frustradas de outro. Mas em que pese Lula afirmar que, se depender dele, “o povo não será enganado com falsas informações” e que dirá a verdade para o povo “a cada minuto, a cada hora, a cada dia”, temos para nós que não há exagero na visão traduzida pelos comandantes do Grito dos Excluídos. E, conseqüentemente, conclui-se pela incipiente embriaguez (não exatamente aquela uma vez sugerida pelo jornalista norte-americano Larry Rother, já de volta com outras críticas de fundo) do presidente.
Se Lula não convence os prelados da Igreja à qual esteve sempre visceralmente ligado, pelo que este 7 de Setembro nos revelou, também não agrada às Forças Armadas. Mulheres de militares em passeata pelo Planalto gritavam palavras de ordem assinalando que “militar é patriota, mas não é idiota”, para protestar contra o que consideram pífio aumento salarial concedido, de dez por cento. “De que vale ser patriota com a panela vazia?”, perguntavam as mesmas mulheres, inconformadas.
A imagem da panela vazia dos militares e o desemprego e a desesperança lembrados pelos religiosos em defesa dos excluídos não são apenas símbolos tendentes a obnubilar as retumbantes cerimônias cívicas imaginadas pelo marketing contratado por Lula em sua fase mais triunfalista até aqui manifestada. Também decerto não têm o objetivo de encaminhar o voto contrário às pretensões do Planalto neste pleito municipal que se avizinha. Antes, constituem matéria-prima com a qual deve se ocupar o próprio presidente Lula, que tão rapidamente contraiu o hábito de achar que agora tudo está melhor que antes, apenas porque ele lá está. O verdadeiro patriotismo não combina com manipulação, assim como a esperança despertada pelo discurso depende de ação.