A conjunção de três fatores fez do mercado brasileiro um prato cheio para especuladores hoje (24). O dólar voltou a disparar e bateu o segundo recorde consecutivo, fechando em alta de 5,73%, cotado a R$ 3,78. “O ambiente externo adverso, na véspera de um vencimento de títulos cambiais e a incerteza eleitoral abrem espaço para a especulação”, disse o diretor de Tesouraria do Banco Fator, Sérgio Machado.
O governo já havia avisado que pagaria hoje integralmente um lote de US$ 1,5 bilhão em títulos cambiais, em vez de rolar a dívida a juros altos. Quanto maior fosse a cotação média do dólar hoje, mais os detentores dos contratos receberão amanhã (25) no vencimento, o que significa um forte incentivo para que o mercado pressionasse o dólar para cima.
Além disso, conforme as eleições se aproximam, a especulação que precede a divulgação das pesquisas eleitorais se intensifica. Hoje, os boatos a respeito da pesquisa Ibope a ser divulgada à noite variavam entre um avanço de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aumentando a possibilidade de o candidato da oposição vencer já no primeiro turno, e a confirmação da sondagem da Datafolha, que mostrou Lula em queda e José Serra (PSDB) em alta.
Algumas das declarações de Lula em sua visita ao Estado hoje colaboraram para a apreensão do mercado, disseram analistas. “A única coisa que vai produzir alguma melhora significativa será a resposta à grande pergunta: quem é, na verdade, o Lula? O que ele vai trazer para a Presidência: o Lula light ou o Lula antigo?”, disse um analista. “Com a perspectiva maior de vencer, o candidato endureceu seu discurso em alguns pontos”, disse Machado.
“O mercado está inteiro do mesmo lado; todo o mundo está tentando se defender do risco, o que também significa vender ativos brasileiros”, disse o diretor de Pesquisa para a América Latina da consultoria americana Ideaglobal, Ricardo Amorim. “A economia americana está muito ruim, cresce a perspectiva de uma nova guerra, é cada vez maior a chance de Lula ganhar e, para complicar, ele reafirmou que não vai manter o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, o que poderia tranqüilizar o mercado.” Para Amorim, o dólar está “evidentemente sobrevalorizado” no Brasil, mas ainda deve haver alguns dias de forte turbulência antes que ele possa cair dos níveis atuais.
Os demais mercados domésticos também tiveram um dia negativo hoje, embora outros ativos tenham se depreciado bem menos que o real. A Bovespa fechou em queda de 1,24%. Os contratos de juros futuros para janeiro subiram de 21,87% na segunda-feira para 22,12% hoje, ainda longe do nível recorde de 26,49% em 21 de julho.
O risco Brasil ficou praticamente estável, em 2.213 pontos, depois de uma alta de 9% na segunda-feira, mesmo depois que o governo anunciou que a dívida pública ficará em 62% do Produto Interno Bruto em setembro, ante 58,3% em agosto, evidenciando o caráter explosivo que a dívida assume em tempos de crise, por ser em grande parte indexada ao câmbio e a juros flutuantes.
O economista-chefe do Crédit Suisse First Boston (CSFB), Rodrigo Azevedo, diz que a pressão sobre o dólar foi muito maior do que os outros mercados basicamente por causa do vencimento de títulos e contratos atrelados à moeda americana, um fator técnico específico do mercado de câmbio.
Azevedo destaca ainda que, no dia 1.º de outubro, haverá o tradicional vencimento dos contratos futuros de câmbio, um evento que sempre aumenta a instabilidade do mercado. Além disso no mesmo dia vence mais US$ 1,25 bilhão de títulos e contratos atrelados ao dólar. O BC informou que vai rolar até 70% desses papéis. Mas, se o mercado continuar a pedir taxas superiores a 50% ao ano para comprá-los, é provável que o BC recuse as propostas e não role nada desse novo lote, como está fazendo com o vencimento de hoje.