Teria de haver explicação irretorquível para o eleitor assimilar algumas peculiaridades da política brasileira, sobretudo como podem obter legenda para se candidatar à reeleição aqueles parlamentares comprovadamente envolvidos em escândalos tipo mensalão, caixa dois ou compras superfaturadas de ambulâncias para prefeituras municipais.
Diante dessa realidade mais uma vez escancarada, a óbvia conclusão da maioria é que os partidos não exercem o menor controle sobre seus virtuais candidatos, e tampouco têm condições de resistir às pressões dos detentores ou não de mandatos, cujos argumentos para reivindicar a inclusão na relação de candidatos à Câmara dos Deputados, conforme queremos demonstrar neste comentário, de tão fortes não conhecem barreiras intransponíveis.
Haverá entre os inscritos para a disputa de cadeiras no próximo dia 1.º de outubro, pelo menos três que almejam obter o lenitivo jurídico do foro privilegiado, na verdade, um resquício dos tempos imperiais: Antônio Palocci, Paulo Maluf e Celso Pitta. Já estaríamos cometendo uma leviandade com os leitores apenas citando um resumo da vida pregressa dos referidos cidadãos, quanto mais ao lembrar que os três estão habilitados respectivamente pelo PT, PP e PTB a pedir votos ao eleitorado paulista, estado que pretendem representar.
Não é possível, no entanto, subestimar o juízo crítico, o senso de avaliação e o grau de conhecimento dos eleitores sobre os execráveis feitos que os de novo candidatos a cargos eletivos protagonizaram no exercício do mandato de prefeitos de Ribeirão Preto e São Paulo e, no caso específico de Palocci, como o ministro que invocou prerrogativas do cargo para exigir a quebra do sigilo bancário do caseiro que confirmou suas visitas à mansão onde se reunia a corriola, para sessões de lazer com espécimes brasilienses da mais antiga das profissões.
Da mesma forma que os ex-prefeitos de São Paulo, apesar do constrangimento sofrido por Maluf ao ser recolhido ao cárcere em companhia do filho Flávio, há um rol de parlamentares ferreteados pela marca indelével de mensaleiros, em esperançosa vilegiatura pelo prolongamento da imunidade, privilégio jamais alcançado pelo cidadão comum que a cada quatro anos é convocado a votar nesses espantalhos cívicos. A maioria dos mensaleiros foi denunciada pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, revelou que ainda vai demorar um ano para apreciar o pedido de abertura das investigações. E até lá, os beneficiários de esquemas tortuosos para a apropriação de dinheiro mal-havido anseiam estar sob a proteção da olímpica deusa cega.
Em última análise, cabe ao eleitor a tarefa de sanear as dependências da Câmara dos Deputados, evitando que esses péssimos representantes detenham por mais um mandato a carapaça da imunidade que aviltaram da maneira mais sórdida. Não há indulgência possível para traidores da confiança dos representados e, se a Justiça é demorada na aplicação das penas cominadas, que eles sofram o desprezo dos eleitores e sejam banidos da vida pública. Só assim começará o tardio processo de higienização do nosso ambiente político.