Djalma Filho

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Sem dúvida o espelho tem o poder de nos desestabilizar emocionalmente. Ele ajuda a fulminar a nossa já tão combalida auto-estima. Mas qual a razão de tanto estresse? Elementar: o espelho simula o olhar alheio.

Como vivemos num mundo basicamente visual, julgamos ser a aparência realmente tudo. Estamos sempre analisando, criteriosa e minuciosamente, a própria imagem, e pior, sempre com base em paradigmas irreais. Todos os detalhes devem ser levados em consideração. Não precisamos aprofundar muito o tema para perceber que tudo isso é amplamente explorado pela indústria e pelo comércio, mas isso já nos remete a um outro tema, o capitalismo, nosso atual mal necessário.

Mas disse que o espelho reproduz o olhar alheio. Na verdade, é pior. Sim, pois os outros nunca nos enxergam com o mesmo olhar crítico. Não que o olhar alheio não seja crítico (e como), porém jamais o é como o próprio. Tanto é assim que até mesmo as famosas modelos são capazes de listar imperfeições físicas que só elas vêem em si mesmas.

Então surge a pergunta: será que todos estamos cegos a ponto de não percebermos que a imagem (própria ou alheia) não passa de uma mera ilusão? É fato que vivemos quase exclusivamente à custa de ilusões, já que comemos ilusão, respiramos ilusão, vestimos ilusão, gozamos ilusão. É tanta ilusão que fica difícil precisar onde acaba a ilusão e onde começa a realidade, mas intriga-me saber qual foi o ponto da história da humanidade onde se fez esse pacto universal em prol da superficialidade (ou da negação da realidade).

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A despeito disso tudo, existe um universo de coisas que podem ser realmente sentidas e não meramente vistas (ou imaginadas). O mundo dos sentimentos talvez seja o único mundo real porque é nesse mundo que, de fato, vivemos com todo nosso ser. Agora, como toda essa consciência nos é assustadora, alienamo-nos da realidade através das ilusões.

Será que realmente precisamos de todo esse aparato visual? Será que isso torna a nossa existência mais suportável? Precisamos ter uma aparência impecável para sermos aceitos e amados? É óbvio que não, tanto que, quando avaliamos as pessoas que amamos verdadeiramente, a aparência fica relegada a um plano secundário. Fiz questão de frisar amar verdadeiramente porque é grande a tentação neurótica de se amar apenas o que é aceito visualmente pelos outros, uma forma de buscar a aceitação alheia. É um poço sem fundo.

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Buscamos a proteção do escudo da imagem, que não passa de uma nefasta escravidão, porque a complexidade das emoções humanas vai muito além do superficial limite da visão. E como esse escudo não nos protege da nossa vulnerável nudez existencial, fingimos não ver mais do que os nossos olhos vêem, vivendo numa falsa e inexorável cegueira coletiva.

Djalma Filho é advogado.

 djalma-filho@brturbo.com.br