A falta de consenso no governo em torno da escolha do padrão de TV digital adiou por 30 dias a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova data para a definição do modelo – que deveria ser anunciado até sexta-feira – foi formalizada hoje (8) por meio de decreto publicado no Diário Oficial da União. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, justificou o adiamento com o argumento de que se trata de uma decisão que não pode ser adotada rapidamente. "É uma decisão política, técnica e econômica. Não é tão rápida". disse o ministro. Com a ampliação do prazo, a definição do padrão ficou para o dia 10 de março.
A dificuldade de formar um consenso no governo também é observada no setor privado. Hoje, essas divergências de ordem tecnológica e comercial, além da questão de prazo para a definição do novo padrão, ficaram explícitas durante debate realizado na Câmara. O presidente da Casa, Aldo Rebelo, reuniu no plenário representantes das emissoras de TV, da indústria de televisores, das operadoras de telefonia celular e de entidades da sociedade civil. O resultado da sessão foi que também na iniciativa privada a opção está entre os modelos japonês e europeu, seguida um pouco de longe pelos americanos.
Os quatro ministros que compõem o comitê da TV digital – Hélio Costa, Dilma Rousseff (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda) e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) – estão analisando as propostas sob três aspectos: tecnológico, comercial e político. O presidente Lula receberá um relatório em que são analisados cada um dos aspectos. Se o Brasil quer fazer a melhor escolha técnica, os estudos apontam para o japonês. Mas é necessário pensar em um potencial mercado de exportação para as indústrias brasileiras de televisores, e, nesse quesito, o modelo europeu leva vantagem, já que é usado em mais de 50 países. O padrão americano também se credencia comercialmente devido a extensa pauta de negociações entre Brasil e Estados Unidos, mas só é usado lá e no Canadá.
Do ponto de vista político, é preciso considerar o desejo das emissoras de TV, que já mostraram preferência pelo sistema japonês.
Os radiodifusores defenderam uma instalação rápida da TV digital e o presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), José Inácio Pizani, disse que o padrão japonês "é o mais evoluído tecnologicamente". Entidades de defesa da democratização das comunicações, por sua vez, querem a escolha do padrão ocorra somente depois da elaboração de uma nova legislação para o setor.
A preferência de Hélio Costa pelo padrão japonês e a forma como ele vem conduzindo o processo de escolha foram duramente criticadas. "Não foi realizada nenhuma audiência pública sobre um assunto que interessa a 95% da população, enquanto Hélio Costa se reúne a portas fechadas com os radiodifusores", afirmou o presidente da Intervozes, Gustavo Gindre.
O presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Paulo Saab, disse que a indústria brasileira não está satisfeita com a condução do processo de escolha. "Não sabemos o que está sendo decidido e quais são os resultados dos trabalhos", afirmou. Segundo ele, a Eletros se reuniu quatro vezes com Hélio Costa e em nenhuma dessas oportunidades o resultado das pesquisas tecnológicas foi apresentado.
Saab disse que a indústria quer ser ouvida e participar das negociações com os detentores dos padrões em estudo. "Prefiro acreditar que o bom senso vai prevalecer, já que essa questão afeta 95% dos lares brasileiros. Não pode ser uma decisão de gabinete", afirmou.
O presidente da Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel), Amadeu de Castro, acredita que as empresas de telefonia ainda podem influenciar na escolha do padrão digital. "Acho que a decisão ainda não está tomada", disse Castro. Os presidentes das operadoras se reúnem amanhã com Dilma Rousseff. Ele disse que é necessário que se defina o modelo de negócios para a indústria e demais setores envolvidos simultaneamente com a escolha tecnológica.
O jornalista especialista em telecomunicações Ethevaldo Siqueira, que também falou da tribuna do plenário, fez um discurso duro. "Condeno claramente a atitude de um ministro que, durante um processo, já toma uma posição, já tem um sistema preferido antes de um relatório final dos estudos", afirmou. "Um ministro tem que ser ético, tem que defender princípios e não padrões comerciais."
