Escândalo

Ainda ecoa em nossos ouvidos o que disse o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, ao saber da tramóia entre o Senado e o Palácio do Planalto para a convocação extraordinária do Congresso durante as férias deste início de ano. É um “escândalo”, exclamou o parlamentar que, imediatamente, à guisa de desautorização de seu inconformismo, foi considerado um pouco ingênuo nas artimanhas da política pelo astuto ex-presidente Sarney, no exercício prazeroso da presidência do Senado.

João Paulo se referia, é claro, a outros quinhentos, mas o início dos trabalhos parlamentares neste 19 que passou confirma, infelizmente, a sua profecia. De fato, foi um escândalo o primeiro dia de “trabalho” dos senhores parlamentares que, feitas somente as contas principais, embolsarão no curto espaço de um mês importância superior a 63 mil reais, fora mordomias com correio, passagens aéreas, gasolina, habitação e outras tantas.

Está certo que era uma segunda-feira. E ninguém, naquela casa, está acostumado ao trabalho no dia que se segue ao sagrado descanso dominical. Mas pelo menos em regime extraordinário (isto é, fora da ordem, ou da rotina das coisas) era de se esperar um esforço concentrado digno da remuneração assegurada pelos contribuintes. A crônica brasiliense conta que apenas 145 deputados e 50 senadores “passaram pelo prédio”. Com o recurso de lentes grande-angulares, o plenário da Câmara era retratado vazio sobre as páginas de alguns jornais. A sessão de abertura durou quatro minutos. E boa noite! Não estava presente nenhum dos dois presidentes – nem Sarney, nem João Paulo. Mas, segundo consta, ninguém terá “salário” cortado, pois mesmo sem comparecer ao trabalho, os nossos representantes dizem que fazem jus ao contracheque, que só lhes é diminuído se faltarem em sessão deliberativa.

Mais interessante ainda se torna tudo isso ao se saber que a pauta da convocação extraordinária (enviada ao Congresso pelo presidente Lula) foi feita, como se diz, para inglês ver. No Senado, por exemplo, as sessões deliberativas custarão a acontecer. Ali foram pautados seis projetos e a emenda da reforma do Judiciário, mas nenhuma das propostas em tramitação está pronta para ser votada pelo plenário da Casa.

Por seu turno, a matéria que deu origem à convocação – a votação da emenda paralela à reforma da Previdência – parece que padece de incorrigível mal: abriria brechas (e a denúncia é do vice-líder do governo na Câmara, deputado professor Luizinho) para que seja burlado o teto salarial do funcionalismo público, ainda sequer fixado pelo Supremo Tribunal Federal. Luizinho sustenta que o texto da emenda “faz voltar o salário dos marajás”.

Ele explica: o texto do jeito que ficou (retira da Constituição a expressão “demais vantagens de qualquer natureza”), dá margem para que fiquem fora do teto vantagens que os servidores recebem, por exemplo, como acréscimos de salários por anos trabalhados – os famosos anuênios. O auxílio-moradia, por exemplo, de três mil reais mensais, estaria entre as vantagens, assim como o auxílio-alimentação, auxílio-paletó, e outros auxílios.

Diante de coisas desse tipo, existem parlamentares muito preocupados com a reação de seus eleitores e já chegam a ensaiar a devolução dos R$ 25.440 pagos sobre os dois outros salários do mês (o normal e o do início da legislatura). Estes passaram, entretanto, a ser motivo de chacota de colegas – a mesma que é dirigida aos que querem que seja apreciada, de vez, a proposta que acaba com as convocações extraordinárias pela via da redução das férias. Mas quem perdeu a vergonha acha que isso é puro “proselitismo e demagogia”.

A sorte dos parlamentares é que o País só começa a funcionar depois do Carnaval.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo