Com o advento – vigência – do novo Código Civil, agora, em 2003, as alterações na legislação utilizada, quando da avaliação jurídica dos casos de erro médico em nossos Tribunais, merece ter seu enfoque reavaliado. Isto porque, em relação aos artigos deste novo Código, que devem ser utilizados quando da subsunção do fato encarado como erro médico, face à nova norma jurídica material, no campo do Direito Civil, estar vigente a partir de 2003, há alterações no que se refere à responsabilidade civil do médico, em caso de erro médico. Não que as repercussões doutrinárias, no que se relacionam ao erro médico, sejam de monta. Mas, as mudanças legislativas no direito positivo civil são evidentes e, em alguns casos, pode-se dizer, de relevância, sendo necessária a identificação dos artigos, no Novo Código Civil, que correspondem no Código Civil revogado àqueles artigos que regem a responsabilidade civil no campo do erro médico. Deve-se analisar, também, como a jurisprudência provavelmente se posicionará em relação ao que está expresso em novas disposições (artigos novos e, além disso, modificações e adições na redação dos artigos que se repetem no novo texto) do Código Civil, que passou a vigorar em 2003, no que elas se referem à responsabilização civil do médico por seus atos profissionais, na hipótese de um erro médico.
Os artigos capitais que regiam a responsabilidade civil do médico no Código Civil revogado eram o artigo 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” e o artigo 1545: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.”. O primeiro substituído, no Código vigente a partir de 11 de janeiro 2003, pelos artigos 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” – com adição da referência ao dano “exclusivamente moral”, e 927, caput: “Aquele que por ato ilícito (arts. 185 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”. O segundo – artigo 1545 – parece não ter correspondente no Código atualmente em vigor. Como se vê no escólio de Miguel Kfouri Neto: “O projeto do Código excluiu a previsão do art. 1545 – e não a substituiu por nenhuma outra, aplicável específicamente aos profissioniais da área da saúde.” (“CULPA MÉDICA E O ÔNUS DA PROVA, São Paulo: RT, 2002, p.202). Há vozes em contrário, como na obra CÓDIGO CIVIL COMPARADO (Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 220) referindo-se ao artigo 951 da Lei n.º 10.406, de 10-1-2002 – Código Civil Brasileiro, vigente a partir de 2003: “Dispositivo correspondente na Lei n.º 3.071, de 1.º-1-1916: art.1545.”, ou seja, artigo 1545 do Código Civil revogado. No entanto, o artigo 1545, do Código Civil Brasileiro de 1916, é uma norma que indica que o médico, nos casos em que agir com imprudência, imperícia ou negligência, será responsabilizado pelos danos que, porventura, vier a causar ao paciente. Portanto, é uma norma que incrimina, responsabiliza o profissional de saúde – médico. É uma norma, pode-se dizer, que descreve um ato “futuro” (se isto porventura ocorrer o médico será responsabilizado). Havendo subsunção, por parte do julgador, do ato executado pelo médico à norma jurídica referida – artigo 1545, o médico será responsabilizado pelos danos que ocorrerem ao paciente. O julgador vai sentenciar motivando a sentença baseado nesta norma. Por outro lado, o artigo 951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda nos casos de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”) do Código Civil que entrou em vigor – em 2003 – é uma norma que pode ser entendida como expressa para ser utilizada na liquidação da sentença. Ou seja, sendo o médico condenado, com sentença motivada pelo artigo 186 e 927, caput, do Código Civil atual (2003) ou imperícia, o artigo 951 deste Código, será utilizado, pois emite um comando para que se utilize, também, os artigos de número 948, 949 e 950, na avaliação do que deve ser ressarcido pelo médico àquele que foi lesado por seu ato. É uma norma que se baseia, assim pode ser entendido, em ato “pretérito” – o médico já foi responsabilizado (repita-se, com base no artigo 186 e 927, caput ou por imperícia) – o que se quer saber é pelo que (repercussão material) ele foi responsabilizado e, neste sentido o dispositivo em tela remete aos três artigos citados, para que também sejam utilizados na estimativa dos danos materiais que foram causados, pelo médico, ao paciente. Portanto, é conveniente que seja considerada como norma nova a ser utilizada na determinação do quantum debeatur quando da apreciação jurídica de responsabilização civil em casos de erro médico. E, norma mais abrangente, como nos diz Nestor Forster: “No caso do artigo 951, igualmente do novo Código Civil, houve alguma ampliação na responsabilidade indenizatória. Se coincide com o texto anterior para as hipóteses de morte, inabilitação para o trabalho e ferimento, trouxe como situação nova agravar o mal do paciente. E, no caso do ferimento, pode-se admitir também maior abrangência quando a responsabilidade refere-se também a causar lesão ao paciente, o que é mais amplo do que o ferimento. Essa lesão pode ser de qualquer ordem, já que não há restrição no texto mencionado.” (ERRO MÉDICO, Coleção Aldus, São Leopoldo – RS: Editora Unisinos, 2002, p. 54).
Outro artigo de fundamental importância na avaliação jurídica do erro médico é o artigo 177 (“As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos,(…), contados da data em que poderiam ter sido propostas.”) do Código Civil revogado. O prazo geral de 20 (vinte) anos era o utilizado pelos julgadores para determinar a prescrição do erro médico. Assim, a prescrição do erro médico, em termos de jurisprudência, era vintenária, não acompanhando o disposto no Código de Defesa do Consumidor – CDC – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, em seu artigo 27, caput (“Prescreve em cinco anos, a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço prevista na seção II deste Capítulo [Nota do autor: Seção II – DA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO], iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”) que estabelece o prazo de 5 (cinco) anos como prescrição para danos causados por produtos e serviços (incluídos nestes os serviços executados por profissionais liberais). Com o advento, em 2003, do Novo Código Civil, determina este, em seu artigo 206 (“art. 206. Prescreve: § 3.º: Em três anos: V – a pretensão de reparação civil;”) que a pretensão de “reparação civil” prescreve em 3 (três) anos. Este, por conseqüência, deverá ser o prazo adotado em nossos tribunais para avaliação da prescrição da possibilidade de se impetrar uma ação de responsabilização civil do médico, em casos de erro médico. Existe a hipótese, sempre é bom lembrar, de que a jurisprudência se incline pelo prazo de 5 (cinco) anos, previsto no artigo 27, caput, do Código de Defesa do Consumidor. O que seria coerente, visto ser 5 (cinco) anos um prazo mais favorável ao consumidor e, esta, sendo, a finalidade do CDC: a “Defesa do Consumidor”.
Convém citar, novamente o artigo 927, do Código Civil vigente a partir de 2003, mas, desta vez, em seu parágrafo único: “Art. 927. (…) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.”, até por ser doutrinária a reflexão sobre o texto deste dispositivo. Parágrafo, este “Sem correspondente na Lei nº 3.071, de 1.º-1-1916” (CÓDIGO CIVIL COMPARADO, Obra coletiva de autoria da Editora saraiva com a colaboração Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 214). Não é possível considerá-lo como um comando para tornar objetiva a responsabilidade do médico, nos casos de erro médico, haja vista o risco não ser criado pela sua atividade. Ou, pode vir a ser assim considerado pela jurisprudência, nas decisões jurídicas de erro médico em cirurgia plástica estética – embelezadora. Essa possibilidade, entretanto, não parece viável, pois a própria jurisprudência – e a doutrina, mais ainda – já mostram tendência, nestes casos, cirurgias plásticas estéticas, de também considerar a obrigação do médico cirurgião-plástico como uma obrigação de meio. Aceitando, pois, como decorrência deste enfoque, em termos doutrinários, no terreno das obrigações, a responsabilidade subjetiva do médico por seu ato, na relação jurídica que se estabelece entre o médico e o paciente. A atividade médica não é a geradora do risco a que é exposto o paciente mas, isto sim, a atuação do médico consiste em empregar os meios possíveis, num determinado local e momento, para corrigir o desvio da sanidade física, ou mental, apresentado pelo paciente, O responsável pelo risco é a entidade nosológica – a doença – apresentada pelo paciente. Não há como transferir a responsabilidade pelo risco ao médico. Não é este o gerador do estado patológico do paciente com a prestação do seu serviço. O estado de doença, em que se encontra o paciente, apresenta seus riscos inerentes – e próprios a cada entidade – em termos de evolução e também riscos, igualmente decorrentes deste estado de doença, das investigações e tratamentos. Não é pois, por evidente e óbvio, o médico o criador destes riscos ao paciente. A jurisprudência deve se direcionar neste sentido, permanecendo, bem definido, o caráter subjetivo da responsabilidade médica na visão jurídica do erro médico.
Há necessidade de se concentrar a atenção na interpretação, criação doutrinária e jurisprudencial, destes artigos, pois a interpretação dos mesmos influirá, daqui para a frente, fundamentalmente na abordagem, pelos Tribunais, do erro médico. Mas, não parece que os artigos mencionados neste trabalho serão considerados, quando de sua aplicação pelos julgadores nas decisões que tomarem, em casos de erro médico, de uma forma diversa – que se afaste muito – do que foi aqui exposto.
SOUZA, Neri Tadeu Camara, advogado especialista em Direito Médico, médico. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003.
José Guilherme Xavier Milanezi
é bacharel em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, Jacarezinho (PR), e assessor jurídico em Curitiba (PR).