O operador jurídico que já teve a grata satisfação de ler ?Elogio da Loucura? de Erasmo de Rotterdam (1465-1536), clássico esse que atravessa o tempo e sempre atualíssimo, não pôde deixar de sentir dentro de si um incômodo benfazejo. Erasmo é aquele homem profundamente enraizado e mergulhado em seu tempo, pertencente a uma plêiade de escritores que leram os clássicos todos da antigüidade romana e por isso conseguiu uma vasta erudição de humanista. Viajante por vocação tanto no pensar como no sentido geográfico, travou amizade sólida com Thomas Morus, esse hoje patrono dos ?políticos?, inclusive os do Brasil; desse encontro profícuo resultou que em apenas sete dias escreveu esta obra monumental, livro que já obteve dezenas de edições e traduções no mundo todo.
O leitor não passa incólume ao se deliciar com suas observações, ora pilhéricas, ora chistosas; trocista do início ao fim, atira em todas as direções até então conhecidas por ele e seus colegas. Segundo ele mesmo ?seu propósito é mais divertir do que magoar?, o que não deixa de ser verdade. Dotado de memória prodigiosa, vai recapitulando fatos de antanho e transcrevendo para o papel da forma mais irônica e venenosa possível, acaba assim também atingindo a classe advocatícia, o que não deixa de causar espanto a ninguém nas atuais circunstâncias. Desde que Erasmo passou dessa para melhor, a sociedade como um todo evoluiu em todas as direções seja para o bem seja para o mal; a loucura apregoada por Erasmo era nada mais nada menos do que aquela energia criativa que leva a pessoa a se desvencilhar de todas as amarras que aprisionam e enfraquecem o homem na sua essência. É essa loucura transformadora que muitos de nós precisamos hoje em dia, assumindo uma correta postura frente a tantas barbáries que rondam a sociedade. Mas isso requer sempre uma nova injeção de ânimo, nadar contra a corrente se preciso for, se desligar do que não faz a pessoa crescer e Erasmo sabia bem o que estava transmitindo, mais do que nunca ele foi testemunha ocular de muitos acontecimentos desagradáveis que manchavam as instituições da sua época. Uma coisa é certa: o operador jurídico de hoje ou de amanhã não realiza um trabalho de Sísifo como assevera Erasmo, bem ao contrário, se bem feito, direcionado, levado com seriedade e afinco pode durar para sempre.
Em tempos de leituras idiotizantes, risíveis, verdadeiros atentados contra as inteligências do nosso povo, eis aí uma boa pedida.
E que a ?Loucura? proposta por ele tenha vida longa, em especial para os que se debruçam em tornar o Direito mais humano e acessível a todos.
Rosel Antonio Beraldo é acadêmico de Direito da Faculdade Cesul de Francisco Beltrão-PR. beraldo007@yahoo.com.br
