A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou ordem de habeas-corpus expedida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que determinava o trancamento da ação penal contra nove acusados de envio por correio eletrônico de fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes.
O TJ-RJ havia concedido o pedido sob o argumento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) definiria como crime apenas a “publicação” – e não a mera “divulgação” – de imagens de sexo explícito ou pornográficas de crianças ou adolescentes.
A transmissão efetuada pelos acusados seria diferente da definida no tipo penal. “A divulgação pode ser por qualquer forma, até oral, mas a publicação não prescinde da existência de objeto material corpóreo”, afirma o acórdão do habeascorpus. Além disso, o tribunal questionou a possibilidade de o Ministério Público atuar tanto como agente provocador, substituindo a autoridade policial, quanto como denunciante.
O ministro Gilson Dipp, relator do recurso especial apresentado pelo Ministério Público (MP) contra a decisão do TJ-RJ, afastou a idéia da exclusividade da polícia judiciária para proceder investigações penais, já que “o Ministério Público tem competência para tanto, e essa atuação não o impede de dar início à ação penal correspondente”. O entendimento estaria assentado na Súmula 234 do STJ.
Quanto à questão da diferenciação entre os termos “publicar” e “divulgar”, o ministro Gilson Dipp discordou da compreensão do TJ-RJ de que os réus apenas divulgavam o material de forma restrita, em comunicação pessoal, e por isso não teriam publicado as imagens.
O ministro apontou que ambos os verbos são considerados sinônimos em dicionários como Aurélio e Houaiss e que os acusados teriam permitido a difusão da imagem para um número indeterminado de pessoas, tornando-a pública. “As fotos eram transmitidas por sites da internet, através de chats, endereços eletrônicos e grupos de conversação. A sua disponibilização através desses recursos virtuais permite o acesso de qualquer usuário comum, como ocorreu com os investigadores do núcleo de informática criado pelo MP”, afirma o ministro em seu voto.
O acórdão do TJ-RJ também afirma que seria necessária a identificação das crianças e adolescentes envolvidas para a configuração do crime. “Em cenas de pedofilia, é conditio sine qua non a identificação do titular do bem jurídico protegido, e a certeza ministrada por documento hábil da sua idade. O ECA não tem por escopo a proteção da sociedade, mas a da criança e do adolescente, de per si”, afirma a decisão do tribunal.
Para o ministro Gilson Dipp, no entanto, o ECA garante, já em seu artigo 1.º, a proteção integral a todas as crianças e adolescentes, independentemente de qualquer individualização. Citando Damásio de Jesus, o ministro afirma que não se exige o dano individual efetivo, mas apenas o potencial, o que significa não ser necessário que haja dano real à imagem de alguma criança ou adolescente individualmente, mas apenas o dano à imagem considerada em abstrato.
Com esse entendimento, a Quinta Turma acompanhou, de forma unânime, o voto do relator, cassando o acórdão do TJ-RJ e dando prosseguimento à ação penal contra os réus.
Processo: Resp 617221