Embora as instituições brasileiras tenham evoluído para um regime democrático, o país experimenta uma “involução” na moral dos homens públicos. E para alterar esse quadro, combater a corrupção e consolidar a democracia, é necessário trabalhar na conscientização do eleitorado, introduzindo, desde os primeiros anos escolares, disciplinas que tratem de ética e moral. Assim pensa o advogado militante há mais de 50 anos e ex-presidente da Seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (na gestão de 1979-1981), Newton de Sisti.
“Evidentemente que houve uma evolução nas instituições democráticas. Mas houve uma involução no comportamento de nossos governantes”, explica ele, em entrevista ao Jornal da Ordem. “A ética foi jogada para terceiro plano.” Por considerar que houve uma quebra do espírito público, com políticos tratando mais de seus interesses pessoais que do interesse público, é que Newton de Sisti considera necessário que a sociedade aposte na educação como elemento transformador da cultura política brasileira. “Falta educação democrática em todos os níveis. Considero importante que se introduza o ensino da ética e da moral desde os primeiros anos escolares. O prejuízo evidente que temos hoje é a falta de cultura de cidadania”, afirma. “Para combater a corrupção é preciso reformar o caráter dos homens.”
Nesta entrevista publicada no Mês do Advogado, Newton de Sisti faz um balanço das mudanças que vêm ocorrendo nas instituições brasileiras e, em especial, no Poder Judiciário. Segundo ele, o Poder Judiciário não acompanhou o aumento da demanda da sociedade em matéria de infraestrutura.” Falta estrutura principalmente na primeira instância”, declara ele.
Newton de Sisti expressou também sua preocupação com a forma como vem sendo realizada a implementação do processo eletrônico e aponta como falhas a multiplicidade de sistemas existentes em todo o país, bem como a possibilidade de hackers poderem causar problemas para a Justiça, caso o sistema de segurança do processamento digital seja frágil. “A exemplo de fato recente do ataque aos sites do governo federal, há a possibilidade de hackers quererem violar o sistema eletrônico do Poder Judiciário, o que prejudicaria completamente o andamento dos processos.”
O senhor tem mais de 50 anos como advogado militante. Como o senhor avalia a profissão hoje?
No tempo em que comecei a advogar o movimento forense era bem menor. Os processos antigamente tramitavam mais depressa. Havia apenas duas varas cíveis. Hoje são mais de vinte. Atualmente há um número maior de advogados, de processos, e o Poder Judiciário não acompanhou essa mudança, em matéria de estrutura. Falta estrutura principalmente na primeira instância. O Código de Processo Civil estabelece prazos para a prática de atos processuais. Hoje o Poder Judiciário está evidentemente carente de melhor estrutura que, se houvesse acompanhado as necessidades atuais, permitiria cumprir os prazos fixados no Código com a conseqüente solução, em tempo adequado, dos processo judiciais.
O que evoluiu nesses 50 anos?
Acredito que hoje há mais seriedade nos estudos jurídicos. Aumentou o número de faculdades, há concorrência e os advogados procuram superar isso ,aperfeiçoando-se cada vez mais.
O Exame de Ordem contribui para melhorar a qualidade da advocacia?
O Exame da Ordem é fundamental para suprir as deficiências. É na prática, que não existe na Universidade, que se aprende a advogar.
O Exame traz mais qualidade, é fundamental, pois afere quem tem condições científicas para exercer a profissão.
Qual a posição sobre o número de faculdades e o alto índice de reprovações no Exame de Ordem?
Hoje há muitas facilidades para se conceder autorização para o funcionamento de escolas de Direito. Muitas não teriam condições de funcionar. O Ministério da Educação é o grande responsável por esse problema. A qualidade deve preceder a quantidade. Essa concessão de autorizações indiscriminadas e sem maiores cuidados só beneficia os grupos interessados e prejudica o ensino jurídico. O alto índice de reprovações é uma demonstração da falta de qualidade de muitas escolas, da falta de corpo docente especializado e competente.
O senhor era vice-presidente na época em que houve a Conferência Nacional dos Advogados em Curitiba, em 1978. Qual foi a importância daquela conferência?
Ela ocorreu em pleno regime militar. Havia um certo cerceamento da manifestação da vontade. A Conferencia de 78 representou uma espécie de marco entre o regime totalitário e o regime de liberdade que evoluiu para a Constituição de 1988. O presidente nacional da OAB na época era Raimundo Faoro, personalidade proeminente, de grande cultura e sensibilidade social; e o presidente da Seccional do Paraná era o advogado Eduardo Rocha Virmond, que detinha e ainda goza de grande prestígio, por seus dotes de eminente jurista e dedicação às artes, e que capitaliza grande contribuição cultural não só aos poderes públicos, como à sociedade em que vive. As teses debatidas daquela conferência, em favor da liberdade, tiveram grande repercussão nacional, embora ainda sob o regime de controle da imprensa pela censura. A partir daí iniciou-se uma abertura para a liberdade de pensamento e o debate das causas nacionais, que veio a desaguar, anos depois, no advento da Constituição de 1988.
Trinta e três anos depois, Curitiba vai recepcionar novamente a Conferência Nacional dos Advogados, em novembro deste ano. Qual sua avaliação?
Sem a existência de censura, hoje os temas poderão ser discutidos com mais profundidade e dentro da liberdade que nós usufruímos.
A Conferência deste ano está focalizada no aperfeiçoamento do exercício da democracia e também nos problemas ambientais. Terá grande importância. Os conferencistas são de um nível muito elevado e a expectativa é a de que 5 a 8 mil advogados participem.
Como o senhor avalia a evolução das instituições brasileiras?
Evidentemente que houve uma evolução nas instituições democráticas. Mas, em contrapartida, houve lamentável involução no comportamento de nossos governantes.
A ética e a moral, como diuturnamente noticia a imprensa, foram relegadas a um segundo plano. Ressente-se, a nacionalidade brasileira, de evidente ruptura no caráter dos homens, afetando o sentimento da moralidade e do espírito público, em prejuízo do equilíbrio social e da estabilização dos valores. Isso prejudica a democracia.
Os políticos tratam muito mais de seus interesses pessoais que do interesse público.
Abdicam de zelar pelas coisas públicas em benefício próprio.
O que o senhor acha que falta fazer para consolidar a democracia brasileira?
Falta uma maior conscientização do eleitorado. A população parece enredada em escolher maus candidatos e não consegue se libertar disso. Falta educação democrática em todos os níveis. Considero importante que se introduza o ensino da ética e da moral desde os primeiros anos escolares. O prejuízo evidente que temos hoje é a falta de cultura e de cidadania.
Como o senhor vê as mudanças referentes ao processo eletrônico na Justiça brasileira?
O, processo eletrônico é uma necessidade que vem se impondo pelo avanço da ciência e da humanidade. Mas, no meu entender, está sendo implantado de forma precipitada e totalmente equivocada. As alterações mudam de forma radical a atuação do advogado.
Não se pode implantar de forma muito rápida, sem preparação. Quer-se substituir o processo em papel por meio digital. Mas, por que não usar ambos ao mesmo tempo, até que a modificação seja absorvida pelos advogados e pela sociedade? No interior até há pouco tempo encontrava-se advogados que sequer conheciam a máquina de escrever elétrica…Outro erro fundamental a esse respeito. Os tribunais e as repartições judiciárias não estão usando um sistema único. Cada tribunal adota um sistema diferente. Isso dificulta a integração entre as instâncias. Porque não usar um sistema uniforme?
Há ainda o aspecto da segurança. A exemplo de fato recente do ataque aos sites dos governos e de várias grandes empresas, evidencia-se o risco de hackers tentarem violar o sistema digital do Poder Judiciário, o que redundaria em graves danos para o funcionamento da Justiça.
Estamos entrando no mês do Advogado. Há dificuldades em fazer respeitar as prerrogativas?
As autoridades ainda não estão de todo conscientizadas do papel do advogado na administração da Justiça. O papel do advogado é indispensável à administração da Justiça, como está escrito na Constituição Federal.
Reconheça-se que houve, nos últimos anos, uma certa melhora. Os advogados passaram a ser mais respeitados. A divulgação de decisões dos juízes e dos Tribunais, prestigiando o respeito às prerrogativas, tem tido ampla divulgação, o que contribui para que o exercício profissional se faça sob melhores condições. Mas há, ainda, muito a melhorar.
Qual é o maior problema enfrentado pelos advogados hoje?
Um dos grandes problemas, como ressalvei, é a falta de respeito por parte de certas autoridades que, muitas vezes, não entendem ou não se conscientizam do papel do advogado. É necessário que toda a vez que houver eventuais excessos das autoridades contra advogados no desempenho de suas funções, elas sejam punidas. E, fundamentalmente, enfrentam os advogados o sério problema da morosidade da Justiça, gerando às vezes dificuldades nas relações com a sua clientela que, via de regra, não compreende essa situação, atribuindo-a ao advogado, o que é lamentável.
Qual o papel que a OAB deve desempenhar para defender as prerrogativas da profissão?
A OAB vem cumprindo seu papel de forma adequada. Não deve jamais permitir que as prerrogativas sejam violadas e deve se sensibilizar para toda e qualquer forma de desrespeito, buscando reprimir os erros cometidos contra os advogados. Por outro lado, a OAB haverá de ser prestigiada na sua prerrogativa de buscar aperfeiçoar os seus inscritos, fortalecendo o Exame de Ordem, instrumento que se revela a cada dia mais como grande contribuição para a melhor proteção contra a violação aos direitos do cidadão e o fortalecimento da ordem democrática.