Rio – Aviões, fogueteiros e soldados – os nomes podem ter uma conotação inocente para a maioria das crianças e adolescentes, mas não para aqueles que trabalham para o narcotráfico nas principais cidades brasileiras. São nomes que definem as funções desempenhadas pelos jovens no narcotráfico, transportando drogas, alertando sobre a chegada da polícia ou fazendo a ligação entre o traficante e o consumidor.
Para a diretora-executiva do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção e Tratamento da Delinqüência (Ilanud), Karyna Sposato, o envolvimento com o tráfico de drogas é um dos fenômenos mais preocupantes para as autoridades e pesquisadores que se debruçam sobre a delinqüência infanto-juvenil brasileira. Ela disse que esse é o delito que mais tem crescido nas estatísticas de delinqüência, nos últimos cinco anos.
"Embora os crimes contra o patrimônio sempre predominem, observamos nos últimos cinco anos uma mudança no padrão, porque o envolvimento no negócio do tráfico de drogas aumentou. Essa já é a terceira causa de ingresso do adolescente no sistema de Justiça", disse ela.
Segundo Karyna, esse é um fenômeno que merece a atenção das autoridades governamentais, principalmente porque, no narcotráfico, os jovens acabam sendo vítimas. "No negócio do tráfico, as crianças e os adolescentes são a linha de frente. São os pequenos soldados que, em regra, fazem a intermediação do consumidor com a droga. Eles não ocupam lugares privilegiados no negócio do tráfico e, por isso, são descartáveis e, por isso, são também as principais vítimas da violência".
A diretora-executiva do Ilanud explicou que a participação de crianças e adolescentes no tráfico de drogas é reflexo da ausência do Estado. "O envolvimento no tráfico é uma das vias, não só para o status social, mas para a sobrevivência e para exercer alguma atividade, porque eles não encontram a mesma facilidade no mercado de trabalho formal. Eles sequer encontram essa abertura na escola, que deveria ser o espaço socialização dessa faixa etária, nesse momento da vida", afirmou.
Para combater esse aliciamento dos jovens pelos traficantes, ressaltou Karyna, é preciso haver um conjunto de ações que não tenham a repressão como pilar de sustentação. "Infelizmente, nós estamos assistindo a isso: sistematicamente, ações repressivas da polícia, com invasão da favela. São ações pontuais que não mudam o contexto de vida daquela comunidade."
Quando a polícia encerra a ocupação na favela, território onde normalmente se concentram as quadrilhas de traficantes, explicou Karyna, continua o contexto de marginalização e de dificuldades socioeconômicas. "As ações para diminuir essa questão hoje devem partir de medidas de proteção e de prevenção, como o desenvolvimento de políticas sociais nessas regiões, a criação de espaços públicos. Até mesmo o investimento da polícia em uma atuação mais comunitária e menos ostensiva, para que a comunidade comece a reconhecer, como seu interlocutor, a autoridade policial, e não o traficante."
