Foram publicados recentemente dados parciais de um estudo realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, do Ministério da Educação), que será divulgado na íntegra até o final do ano. O estudo traz à tona algumas questões ligadas à relação oferta e demanda no ensino superior, importantes aos gestores de instituições privadas, embora não se possa separar a discussão do setor público.
Como se não bastasse a baixa abrangência do ensino superior tendo em vista que apenas 10,5% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados em algum curso, também o perfil desse universo é problemático. Hoje são ofertados no total 84 diferentes cursos de nível superior, mas seis deles concentram 52% das matrículas!
Para se ter uma idéia da situação, o curso de Administração, campeão em número de universitários, com 621 mil alunos matriculados, possui sozinho mais estudantes que toda a área de saúde, que inclui Medicina, Enfermagem e Psicologia, entre outros, com 549 mil alunos. Nos cursos ligados às ciências puras tais como Física e Química, a média de alunos não chega a 35 mil, situação que se repete em algumas áreas de ciência aplicada tais como Agronomia e Veterinária.
Numa perspectiva ampla, as distorções levantadas pelo estudo apontam para uma situação preocupante quando se pensa o desenvolvimento do país no médio e longo prazos. Como economia emergente, o Brasil precisa migrar cada vez mais para uma situação onde a base da sua riqueza seja o patrimônio intelectual, expresso em patentes e domínios de novas tecnologias em diversas áreas. Mas se o foco da análise se detém na análise dos cursos isoladamente, veremos uma situação mais preocupante ainda.
Apesar dessa supremacia atual dos cursos de Administração, o que poderia levar alguém mais apressado a sugerir um controle no sentido de redução de oferta, a carência nessa área também é significativa. Segundo Rui Otávio Bernardes de Andrade, em toda a história dos cursos de Administração no país foram formados 1,3 milhão de profissionais, para uma situação atual de cerca de 13 milhões de empresas formais no país. Mas aqui também devemos evitar conclusões apressadas.
As estatísticas mostram que o ritmo de expansão do ensino superior vem se desacelerando ano a ano. No período 2001 para 2002, o crescimento no número de ingressantes em cursos superiores chegou a ser de 16,2%. Tal taxa caiu para 3,2% de 2003 para 2004. Uma das conseqüências mais visíveis dessa desaceleração é aumento na ociosidade de vagas tanto em instituições privadas como em algumas áreas das instituições públicas. Em 2004, essa ociosidade chegou a 43,8% quanto um todo, mas considerando apenas o setor privado, a ociosidade foi de 49,5%.
Num quadro complexo e paradoxal como esse, as decisões sobre onde, quando e como investir tornam-se extremamente difíceis tanto para os gestores públicos quanto para os gestores privados. Para estes últimos, condicionados pela necessidade de retornos positivos em rentabilidade, o dilema se concentra na administração dos investimentos para obtenção de resultados de curto e de longo prazos.
No curto prazo é inútil tentar convencer esses gestores e seus investidores para a necessidade de ampliação e diversificação da oferta de cursos, tendo em vista que alguns cursos, e em especial o de Administração, possuem uma estrutura de custos relativamente enxuta, quer seja pela simplicidade dos recursos tecnológicos e de infra-estrutura que demandam, quer seja pelo ganho de escala que se consegue e a conseqüente otimização desses recursos.
A mudança desse quadro depende de diversos fatores. Ressalta-se aqui a necessidade de uma visão de mercado voltada para o futuro, e portanto, um planejamento de marketing para esse futuro. A retração no crescimento do número de matrículas e as distorções de concentração de cursos mostram que no futuro essa diversificação será inevitável. Como fazer para transformar essa ameaça em uma oportunidade de mercado?
Não há uma fórmula pronta, mas em marketing tão importante quanto saber explorar uma demanda presente, é identificar demandas futuras e, mais que isso, estimular e influenciar demandas futuras. As mudanças e avanços que estão ocorrendo hoje na sociedade estão colocando o germe do que será essa sociedade daqui a algum tempo. É aí que o trabalho de marketing deve se focar.
Conhecer profundamente as tendências que as novas tecnologias e as novas formas de organização da sociedade, estão imprimindo à sociedade, é fundamental para que as instituições de ensino possam desenvolver cursos e novas possibilidades de carreiras para seus alunos, que hoje nem sequer estão presentes no rol de opções possíveis.
Mais que isso, deve ser feito um trabalho junto ao setor produtivo, às entidades de classe e ao governo, para que além de ser possível detectar com antecedência a necessidade dessas novas carreiras, elas possam ser valorizadas e percebidas como possibilidade real de desenvolvimento para profissionais, empresas e para o país como um todo.
Para ilustrar essa situação temos como exemplo a atividade emergente dos peritos digitais. Matéria publicada no jornal Valor Econômico de 25 de outubro de 2006 mostra que esses profissionais, cuja atividade é detectar e prevenir fraudes em sistemas informacionais, já chegam a 7.000 em todo o Brasil e ganham em média R$ 10 mil (!). No momento só precisam ser profundos conhecedores de informática pois não há cursos superiores específicos nem qualquer tipo de regulamentação da atividade. Com certeza, em breve estaremos ouvindo falar de instituições de ensino superior ofertando cursos nessa área, que aliás tem um perfil muito adequado ao formato de cursos de tecnologia. Uma instituição que tivesse percebido esse mercado há algum tempo atrás estaria hoje explorando essa demanda sozinha.
Ricardo Pimentel é consultor de marketing educacional e professor da FAE Business School/Unifae e da Faculdade Opet.